quarta-feira, 2 de abril de 2008

Meia pizza na Assembléia

Plenário da Alerj acolhe parcialmente o relatório do Conselho de Ética, cassa as deputadas Jane Cozzolino e Renata do Posto, mas mantém os mandatos de dois parlamentares acusados

Ricardo Villa Verde, Mahomed Saigg e Alfredo Junqueira

Rio - O dia que prometia ser de redenção para a Assembléia Legislativa do Estado do Rio terminou com gosto de pizza. Apesar de o Conselho de Ética da própria Alerj ter recomendado a punição de cinco deputados envolvidos com a fraude no auxílio-educação, a maioria dos parlamentares achou por bem absolver três deles.
Tucalo Dias (PSC) e João Peixoto (PSDC) preservaram seus mandatos. Edino Fonseca (PR), que poderia ser suspenso por 90 dias, também foi liberado. Apenas Jane Cozzolino (PTC) e Renata do Posto (PTB) foram punidas. As duas foram cassadas pelo plenário, mas já avisaram que vão tentar retomar seus mandatos na Justiça.
Autor da representação que resultou nos processos de cassação, o deputado Marcelo Freixo (PSOL) se disse decepcionado com a absolvição de três dos cinco parlamentares. “É claro que estou insatisfeito com o resultado. Esperava que o plenário seguisse a orientação do Conselho de Ética”, afirmou Freixo, ao fim da sessão.
Para o presidente da Alerj, Jorge Picciani, o parlamento cumpriu seu papel. “Numa avaliação geral, a Alerj se saiu bem, porque deu uma resposta à sociedade. Mostrou que na Casa há respeito ao povo”.
Uma das pessoas que acompanharam a sessão foi Cira Maria de Araújo Costa, 46 anos, uma das vítimas do golpe. Mãe de oito filhos, ela foi nomeada sem saber em três gabinetes. Os bandidos ainda fizeram dívidas de R$ 20 mil em seu nome.
‘ROUBARAM MUITO’
“Elas tiveram o que mereciam. Têm que pagar pelo que fizeram. Roubaram muito. Agora não adianta chorar para mostrar que estão ressentidas. É tudo choro de fingimento, não têm nada de inocentes”, declarou Cira, após as cassações.
Em seus discursos de defesa, Jane, Renata e seus respectivos advogados se concentraram em ataques à imprensa e a alertar os demais deputados com o discurso “hoje sou eu, amanhã pode ser qualquer um de vocês”.
Elas negaram ter ligação com a quadrilha que desviou mais de R$ 3,5 milhões, desde 2007, com as fraudes no auxílio-educação e os desvios no pagamento de salários de pessoas nomeadas sem saber em seus gabinetes. Segundo o Conselho de Ética, os desvios com auxílio e salários de fantasmas no gabinete de Jane chegaram a R$ 1,6 milhão. No de Renata, a cifra ficou em R$ 420 mil.
A estratégia de sensibilizar os deputados com lágrimas, posturas fragilizadas e claques barulhentas não funcionou. De manhã, Jane, que chegou em cadeira de rodas, foi cassada com 48 votos, 12 a mais do que os 36 exigidos. Outros 15 parlamentares votaram a seu favor, e mais cinco optaram pela abstenção.
A ex-deputada chegou e saiu sem falar com a imprensa, sempre amparada por assessores — ela passou por cirurgia há poucos dias. Limitou-se a informar que iria contestar a decisão do plenário na Justiça. Segundo seu advogado, Luís Carlos Silva Netto, a parlamentar cassada não teve pleno direito à defesa e não poderia ser julgada pelo plenário da Alerj, pois está de licença médica.
“Foi um tribunal de excessão. Todos os direitos de defesa foram negados à deputada”, disse Silva Netto, afirmando que vai entrar com mandado de segurança no Órgão Especial do Tribunal de Justiça, com pedido de liminar, para recuperar o mandato de Jane.
JOGAR RESPONSABILIDADE
Renata do Posto e seu advogado, Mário César Machado Monteiro, tentaram diminuir as acusações e jogar a responsabilidade pelas fraudes para o ex-chefe de gabinete da parlamentar, Frederico Schroll — apontado como um dos aliciadores.
"Se tive algum erro, foi o de acreditar e confiar numa pessoa que por 20 anos de convívio, desde os 8 anos de idade. Fui negligente”, disse a parlamentar, que acabou sendo cassada por 50 votos contra 11, além de seis abstenções.
Depoimento derruba a defesa de Jane
Depoimento ao Ministério Público de funcionária nomeada sem saber no gabinete da deputada Jane Cozzolino (PTC) derrubou sua linha de defesa. A ex-parlamentar argumentou que nenhuma pessoa nomeada por ela havia negado trabalhar ou desconhecer a nomeação. As declarações de Claudenete da Silva Barbosa, dadas ao MP na segunda-feira, revelam o contrário.
Claudenete disse que não sabia estar lotada no gabinete da então deputada e que desconhecia estar recebendo auxílio-educação para pagar os estudos de seus filhos — todos matriculados em colégios públicos, em Santo Aleixo, distrito de Magé.
Apesar de seu contracheque mostrar que ela recebia em torno de R$ 3.500 mensais, Claudenete afirmou ao Ministério Público que ganhava apenas R$ 350. Segundo ela, em fevereiro do ano passado, um homem chamado Cristiano a procurou com a proposta de inscrição em programa de auxílio para famílias com muitos filhos.
Cristiano, que disse trabalhar para Jane, trouxe ela e mais quatro mulheres para o Rio — onde fizeram exame médico e abriram conta em banco.
‘PADRINHOS’ E ÔNIBUS FRETADOS
Renata do Posto e Jane Cozzolino contaram com o apoio dos parentes que as lançaram na política. A prefeita de Magé, Nubia Cozzolino, acompanhou a sessão que cassou sua irmã no gabinete dela. Já o prefeito de Guapimirim, Nelson do Posto, permaneceu no plenário em apoio à sobrinha.
Claques foram em ônibus fretados para a Alerj dar apoio aos deputados. Levavam faixas e aplaudiram seus parlamentares. Manifestantes pró-Renata ainda fizeram curta passeata.
O momento mais tenso ocorreu após a cassação de Jane. “Nenhum de vocês pisem mais em Magé!”, ameaçou manifestante na galeria de apoio à ex-deputada, para jornalistas e deputados.
Na saída, as palmas de apoio a Jane foram abafadas por gritos de comemoração de quem foi assistir à sessão. “Ué? O que houve? Não está mais passando mal, deputada?”, ironizou uma das pessoas presentes nas galerias do plenário. “Desce aqui e fala isso na cara dela”, desafiou uma das assessoras que amparavam Jane. O policiamento e a segurança da Alerj foram reforçadas ao longo do dia.

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