sexta-feira, 3 de abril de 2009

Venda de lajes é negócio lucrativo nas favelas do Rio

Estudo revela crescimento na verticalização das comunidades.
Em algumas áreas, direito a uso da laje chega a R$ 30 mil.

Aluizio Freire Do G1, no Rio

Ampliar Foto Foto: Projeto Olho Verde/Divulgação Foto: Projeto Olho Verde/Divulgação

Rio das Pedras, entre Barra e Jacarepaguá, é uma das favelas onde foi constatado o maior crescimento vertical (Foto: Projeto Olho Verde/Divulgação)

Os anúncios são discretos, a divulgação é feita no boca-a-boca ou através das associações de moradores, mas não é difícil alugar ou comprar uma laje em algumas favelas do Rio. A prática, cada vez mais evidente, mostra que a especulação imobiliária nas comunidades carentes é um mercado consistente e, a menos que o ‘Choque de Ordem’ da prefeitura prove o contrário, irreversível.
Embora a verticalização desordenada nessas áreas seja visível, foi um estudo do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ippur), centro de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que começa a ser atualizado a partir da próxima semana, que reuniu os dados em uma pesquisa e apresentou à prefeitura.

As informações constam do sistema de informações sobre Assentamentos de Baixa Renda, o cadastro de favelas do Instituto Pereira Passos (IPP). O exaustivo trabalho foi coordenado pelo professor e economista Pedro Abramo.

Os preços desses imóveis, precários, variam de acordo com a localização, mas o aluguel de uma área de dois quartos pode custar em torno de R$ 300 e a venda até R$ 30 mil para construir sobre uma construção já existente, de acordo com a pesquisa.

Conforme o mapa de adensamento populacional do município, a procura por um espaço na laje tem crescido em favelas como Rocinha, em São Conrado, na Zona Sul, Rio das Pedras, em Jacarepaguá, e em áreas de posse no Recreio dos Bandeirantes, ambas na Zona Oeste. Um dos exemplos da expansão é o crescimento da ocupação no Canal do Cortado, no Recreio.
A ocupação das lajes funciona como investimento para moradores que decidem vender o andar de cima porque já fizeram melhorias em suas casas ou conseguiram uma outra, para abrigar filhos ou outros parentes, para alugar, e com isso complementar a renda, ou construir um puxadinho para oferecer mais conforto para a família. Tudo isso dentro de critérios imobiliários próprios, sem consulta a engenheiros ou outros órgãos que regulamentam moradias.

Prefeitura quer impedir a venda de lajes

O secretário municipal de Urbanismo, Sérgio Dias, garante que um dos grandes desafios da prefeitura será combater essa prática irregular. “É uma tarefa difícil. Mas é importante começar agora e com muita seriedade. Estamos buscando a conscientização das pessoas para os riscos dessas construções, respondendo a todas as denúncias e ampliando os braços de fiscalização”, explica.
O secretário adianta ainda iniciativas de estabelecer convênios com entidades representativas, como o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Conselho Regional de Engenharia (Crea) e Clube de Engenharia, além de implementar a utilização do Posto de Orientação Urbanística e Social (Pouso) para controlar a expansão das comunidades.

Ampliar Foto Foto: Projeto Olho Verde/Divulgação Foto: Projeto Olho Verde/Divulgação

As lajes estão proliferando em construções caóticas de alvenaria em todas as favelas (Foto: Projeto Olho Verde/Divulgação)

“Queremos impedir a proliferação dessa venda de lajes. Nosso objetivo é que as pessoas reconheçam as regras do jogo para a regulamentação de cada comunidade. Vamos adotar ações emblemáticas, como as realizadas até agora”, afirma Dias, citando a demolição do Minhocão da Rocinha e o embargo de um prédio de cinco andares na favela da Muzema, no Itanhangá. Ele promete também outras medidas para conter o crescimento desordenado em Rio das Pedras.

O secretário admite, no entanto, a dificuldade em agir de imediato contra algumas habitações irregulares que estão ocupadas há muito tempo, em resposta a uma denúncia de um outro prédio na Rocinha, na Estrada da Gávea, que é explorado por um especulador imobiliário já identificado pela prefeitura.

“São três pavimentos, cada um com dez quitinetes. Ou seja, são 30 famílias morando naquele local. O prédio, que está pronto há cinco anos, chegou a ser embargado durante a construção. Estamos pensando numa solução que seja remover ou indenizar essas famílias”, acrescenta.

Mais de 750 favelas, diz pesquisadora

A advogada e professora de direito civil Cláudia Franco Corrêa, que defende sua tese de doutorado sobre “crescimento verticalizado e direito da laje”, a partir de um trabalho de campo realizado em Rio das Pedras, diz que ficou surpresa com a criatividade nessas comunidades.

“O poder público não se preocupou com habitação para os pobres. Sempre esteve ausente e depois aparecia para reprimir, sem adotar políticas públicas. Diante desse quadro caótico, surgiu um mercado imobiliário fantástico e a figura do especulador que encontrou uma oportunidade de ganhar dinheiro. Muitas vezes é um ‘estrangeiro’, gente que não mora na favela, mas tem dinheiro para comprar uma área por R$ 100 mil, em média, e construir um prédio para alugar”, exemplifica. “O estado não fiscaliza, e ele fica rico”.
Segundo a advogada, o número de 750 favelas existentes no município do Rio, de acordo com o IPP, não leva em conta o crescimento vertical. “Quando contabilizarem isso, vamos levar um susto”.
Para Pedro Abramo, doutor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, autor do livro "Teoria Econômica da Favela", obra pioneira sobre o comércio da favela, publicado pela editora francesa L'Harmattan, as casas nas favelas passaram a valer mais do que muitos apartamentos. “Elas (casas) oferecem mais liberdade urbanística. Um morador faz um puxadinho, o outro constrói um quarto para alugar, e outros pagam a casa passando adiante a laje”.

G1 > Edição Rio de Janeiro

Nenhum comentário: