segunda-feira, 11 de maio de 2009

No tratamento contra álcool e drogas, policiais buscam apoio no Centro Renascer

         POR MARIA MAZZEI, RIO DE JANEIRO

Rio - Com 10 anos de Polícia Militar e sete de vício em drogas e álcool, V., 34, luta há cinco meses para se manter ‘limpo’. A procura por um tratamento começou por causa de uma tragédia no fim do ano passado: a morte do irmão caçula por overdose. Ao chegar em casa do trabalho, V. encontrou F., 22 anos, caído no banheiro depois de consumir toda a cocaína que o policial pegara em apreensão um dia antes em uma favela da Zona Norte.

Foto: Isabela Kassow/Agência O Dia

Projeto Renascer trata de PMs dependentes químicos e alcoólicos

Dramas como esse são tratados diariamente no Centro de Reabilitação Renascer, no sexto andar do Hospital Central da PM, no Estácio. Atualmente, há 13 internados na unidade, entre PMs e parentes de policiais. Os que procuram o Renascer são exceções, segundo os médicos e psicólogos que trabalham lá. Especialistas afirmam que a maioria dos policiais que sofrem de dependência química busca ajuda fora da corporação. Seja porque não querem ser estigmatizados pelo colegas ou por temer represálias dos superiores.
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“É muito difícil entender que o policial, um homem da lei, também transgride. Mas somos pessoas como qualquer outra e estamos sujeitos a esse tipo de doença, até mais do que muita gente devido ao contato fácil e diário com algumas substâncias”, afirma o sargento Alexandro Flores, que há cinco anos trabalha como conselheiro no Renascer e há sete está livre das drogas e do álcool.
Ao aceitar ser internado no Renascer, o policial assina um contrato de compromisso e começa a reabilitação, que dura 35 dias. É a fase mais crítica do tratamento, quando o paciente passa por um processo de desintoxicação e sofre crises de abstinência. Além de medicamentos para fortalecer o sistema imunológico, o paciente é apresentado aos Doze Passos — diretriz usada pelos Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos.
Após a internação, que é voluntária e pode ser interrompida a qualquer momento, o dependente químico volta ao trabalho e passa a ter acompanhamento psicológico e ambulatorial uma vez por semana. A média de recuperação é de 40%, segundo o tenente Mello Netto, psiquiatra chefe do setor. “Não é raro o policial voltar para a rua e ter recaídas. Isso faz parte da doença. E é o que torna o tratamento do policial complexo. O trabalho é estressante, a vida está em risco diariamente, e é na rua que acontece o contato com as substâncias (drogas)”, diz ele.

Entre o resgate e a droga


Psicóloga do Renascer desde 1992, Maria Leila Alves conta que um dos relatos mais dramáticos que já ouviu foi o de um bombeiro, que era viciado em cocaína. “Ele estava em reabilitação e tinha voltado para o trabalho de rua. Estava combatendo um incêndio em uma favela e, dentro de uma casa, em chamas, havia duas crianças. Quando entrou, viu quilos e quilos de cocaína embaixo do chão e na hora ficou em dúvida se salvava as crianças ou se pegava a droga ”, lembra.
Encostado na viatura, o sargento que perdeu o irmão afirma que a luta é diária. “Toda vez que sinto vontade de beber ou de ‘dar um teco’ entro em uma igreja e fico lá até a vontade passar. A cocaína e a bebida arruinaram minha vida e eu, a do meu irmão”, lamenta o PM, que, tal como a maioria dos dependentes, esconde o problema de seus colegas. V. tira um terço do bolso e diz que buscou apoio clínico e psicológico em uma ONG em vez de procurar o Renascer.

Batalha diária

O soldado D., 37 anos, foi paciente do Renascer. Desde 2007 longe da bebida e das drogas, ele ainda luta para não ter uma recaída. “Só agora voltei para o patrulhamento de rua. Tem que ter muita força de vontade para não cair em tentação. Sabia que seria difícil, mas não tanto. Na rua, o contato com as drogas é muito fácil. Uma vez corri para o Renascer. Fiquei falando no celular com um dos conselheiros até chegar lá e só fui embora quando senti que podia controlar minha vontade”, contou o policial, que bebia entre 20 e 30 latinhas de cerveja por dia.
LIMITE PARA O VÍCIO
De acordo com o Ministério da Saúde, um homem pode beber, por semana, 21 copos de cerveja (uma unidade corresponde a oito gramas de etanol) para estar dentro de uma faixa considerada segura e não se ser considerado alcoólatra. Essa conta só é válida desde que a quantidade total não seja ingerida de uma só vez e que haja dias livres de consumo de bebida. Cada copo de cerveja pode ser substituído por uma taça de vinho ou uma dose de destilado. Para as mulheres, o limite é de 14 unidades por semana.

RECAÍDA
“Já fui buscar um sargento do meu batalhão dentro de uma boca de fumo. Ele pegou R$ 8 mil de empréstimo e se ‘internou’ na favela durante 15 dias. Só usando drogas e bebendo cerveja. Ficou pele e osso. Acabou internado por 35 dias no Renascer, mas já voltou para a rua (patrulhamento) e continua se drogando de novo”, disse o soldado D.

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