segunda-feira, 11 de maio de 2009

Vale tudo na sala de cirurgia

Na Clínica Prosilha, onde pacientes denunciam que ficaram deformadas, a equipe que realizava as lipos fumava durante a operação. A anestesia era aplicada pela recepcionista, numa ocasião suada e com roupa de ginástica

Carol Medeiros e Natália Von Korsh

Rio - A lista de atrocidades cometidas pela médica Sheila Maria da Silva Pinto Gonzalez cresce na mesma proporção que o número de denúncias e crimes pelo qual ela responde. Indiciada pela polícia por estelionato, lesão corporal grave e exercício ilegal da profissão, a pediatra é acusada ainda de usar cola Super Bonder para fechar suturas, fumar no ‘centro cirúrgico’ e operar sem luvas nem jaleco.

Liliane teve a barriga deformada após lipo com a pediatra da Ilha. André Mourão / Ag. O Dia

Ela servia ainda de modelo do próprio trabalho, mostrando às mulheres que procuravam a clínica Prosilha, de sua propriedade, na Ilha do Governador, a mais nova aquisição: um bumbum novo em folha, resultado de cirurgia de implante de silicone. Quinta-feira, a Vigilância Sanitária Estadual anunciou a interdição da clínica.
Segundo pacientes da pediatra, cuja barriga acabou deformada após cirurgia de lipoaspiração, não havia sequer profissional capacitado para aplicar a anestesia. “Quem aplicava a anestesia era a recepcionista, um travesti. E todos fumavam na sala que servia como centro cirúrgico, onde havia apenas uma maca, era um horror”, conta uma das vítimas, que pediu para não ser identificada.
Outra paciente, que também prefere o anonimato, disse que no dia de sua cirurgia o atendente, identificado como Demmy, aplicou a anestesia com a roupa com que acabara de voltar da academia: “Ele estava todo suado, mas me deu a injeção assim mesmo, eu até pensei em desistir, mas já estava ali e preferi correr o risco pelo sonho de ficar magra”.
Relatos como os reproduzidos acima podem chocar pela riqueza de detalhes. Afinal, como mulheres esclarecidas — muitas delas profissionais da área de saúde — se submeteram a cirurgia plástica em um ambiente claramente despreparado para o procedimento, como elas mesmas reconhecem? A psicóloga Teresa Creuza Negreiros, do Departamento de Psicologia da PUC, responde:
“Vivemos atualmente em uma cultura da beleza, onde a estética é privilegiada acima de qualquer ética, é uma cultura materialista, visual e imediata. Então, nessa pressa acaba não havendo um cuidado consigo própria. É uma voracidade de se tornar bela, a despeito da escolha de um profissional competente, de uma segurança do local da intervenção e de um olhar mais atento para si mesmo para ver até que ponto essa correção é necessária”.

A inspetora de qualidade Liliane Simões, 30 anos, só soube que era uma das vítimas da médica Sheila Gonzalez quando viu as reportagens que vêm sendo publicadas desde segunda-feira em O DIA. Com a barriga mutilada, ela estava economizando para pagar mais R$ 350 por uma nova cirurgia: “Ela ainda ia fazer um desconto pelo reparo. Mas, depois que vi as mulheres no jornal, fiquei horrorizada, as barrigas delas estão lindas perto da minha”. Liliane, que retirou 10 litros de gordura do abdômen, também é testemunha das péssimas condições da Prosilha: “Vi muita poeira, falta de higiene, pessoas fumando, mas estava empolgada, fechei os olhos”.

Lipo é o segundo tipo de plástica mais praticado

A lipoaspiração é a segunda cirurgia estética mais realizada no Brasil, perdendo apenas para a plástica no seio. Segundo pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), dos 629 mil procedimentos cirúrgicos feitos no País em 2008, 91 mil (14%) foram lipos, e 151 mil (24%), aumento ou redução da mama. O número, no entanto, caiu em relação à pesquisa de 2004, quando foram feitas 198 mil lipos.
A redução pode ter sido causada, segundo a entidade, porque elas passaram a ser feitas em consultórios por médicos não especializados, como no caso da pediatra Sheila Gonzalez, e dessa forma não são computadas. “A popularização da lipo trouxe consigo o perigo das pessoas negligenciarem o seu risco. Não é em vão que existe uma norma para se realizar esse procedimento. Ele é muito invasivo. Só deve ser feito por especialistas. Os pacientes devem ficar atentos aos charlatões”, alerta o cirurgião plástico Synézio de Souza Filho, 60 anos, membro da SBCP.

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