domingo, 17 de maio de 2009

Padre que é um ‘luxo só’ cortou ajuda aos pobres

Antigo administrador das finanças da Arquidiocese, alvo de investigação da entidade, acabou com pastorais que cuidavam do presente e do futuro de crianças e adultos carentes

Amanda Pinheiro e Thiago Prado

Rio - Quem se surpreendeu com a gastança do padre Edvino Alexandre Steckel, que torrou R$ 3 milhões da Arquidiocese do Rio em apenas um mês, não sabe da missa um terço. Na sua gestão como ecônomo, a entidade comprou um apartamento por R$ 2,2 milhões. Ele ainda criou cartão de crédito que arrecadou quase meio milhão de reais em 2007. No mesmo período, no entanto, carentes ficaram desassistidos.
Mais de mil jovens de favelas atendidos pela Pastoral do Menor foram desligados de programas que garantiam ajuda de R$ 400 por mês e acesso ao primeiro emprego. A farra de gastos vem sendo noticiada por O DIA desde o início do mês.
A prosperidade das finanças eclesiásticas contrastou com o fim de boa parte do trabalho de assistência social. As pastorais Penal, das Favelas e dos Trabalhadores também foram desmontadas, em julho do ano passado, com a demissão de 67 funcionários, por decisão do então arcebispo, Dom Eusébio Scheid, e de Edvino, que foi afastado das finanças da Arquidiocese no início deste mês.
Até um patrocínio da Petrobras que rendeu aos cofres da Mitra R$ 143 mil por ano foi perdido. O investimento da estatal garantia a bolsa de R$ 400 aos jovens. Mas, de acordo com a empresa, “a continuidade do patrocínio não foi negociada, porque o representante da instituição não fez mais contato e a Mitra (Arquidiocese) não se manifestou a respeito”.
O fim das pastorais acabou também com a oportunidade de meninas de rua — atendidas pela ONG Excola — dormirem seguras. A organização foi despejada da Casa das Meninas, no Catete, e agora, embora ainda lhes oriente e ensine uma profissão, é obrigada a devolvê-las para as ruas à noite. O local virou abrigo da prefeitura. Elizabeth Oliveira, da ONG, foi obrigada a retirar os móveis doados para os filhos das meninas e amontoá-los num depósito. “O trabalho ficou pela metade. Não podemos mais acolhê-las”. Sexta-feira, ela e Glauciete Mariano, 24, mãe de seis filhos, uma das meninas acolhidas quando a ONG tinha sede, tentavam convencer Juliana Andrade, 22, mãe de três, a receber a mesma ajuda.

Volta para o tráfico: efeito colateral

Segundo a coordenadora de uma pastoral em Bonsucesso, Maria Franco, com o fim do trabalho parte dos jovens que ficaram à toa optou pela pior alternativa: o tráfico. “Nós os mantínhamos ocupados e alimentados, mas isso acabou.”
Nas comunidades do Complexo do Alemão, Costa Barros, Bangu e outras, o fim do projeto, segundo voluntários, pode ter custado até a vida de alguns jovens. “Eles aprendiam uma profissão. Mas voltaram a ficar à toa e alguns foram seduzidos pela promessa de dinheiro fácil do tráfico. Acabaram morrendo”, contou Maria. A Arquidiocese do Rio afirmou que ninguém falaria sobre o fim das pastorais, mas garantiu que elas serão retomadas.

Entidade de religiosos faturou R$ 466 mil em 2007

Fundada em 18 de agosto de 2006 para “promover projetos culturais e sociais da Igreja”, a Associação de Solidariedade Justiça e Paz (ASJP) guarda a sete chaves o que faz com o sagrado dinheiro dos fiéis. Dados levantados por O DIA mostram que a ASJP faturou milhares de reais em 2007 com doações e a anuidade de um cartão de crédito criado para os católicos. Até hoje, no entanto, não há qualquer prestação de contas sobre o que, de fato, foi feito com a quantia arrecadada pela organização, idealizada pelo padre Edvino e pelo então arcebispo do Rio, Dom Eusébio Scheid.
Em 2007, passaram pelo cofre da associação R$ 466 mil e acumulou-se um patrimônio de R$ 400 mil. O salto financeiro com relação ao ano anterior, quando foi criada a ASJP, é expressivo. Em 2006, a receita registrada foi de apenas R$ 500, e o patrimônio, de R$ 120. Apesar de padre Edvino e Dom Eusébio terem aparecido desde o início como, respectivamente, diretor e presidente vitalícios da ASJP, quem responde pelas contas da associação perante órgãos fiscais é Adalmir Leite de Castro, responsável pela contabilidade da Rádio Catedral.
Segundo o site da ASJP, 50% da taxa que o Bradesco recebe por qualquer transação do cartão de crédito criado é doada à associação para investimento em projetos sociais. O novo ecônomo da Arquidiocese, monsenhor Abílio Ferreira da Nova, afirmou, semana passada, que os roteiros das missas não publicarão mais anúncios do cartão, mas a associação continuará funcionando. Membro da Comissão do Direito do Consumidor da OAB-RJ, Leonardo Amarante afirma que os fiéis que adquiriram o cartão têm o direito de exigir prestação de contas: “Os dados não são sigilosos, pois se referem ao direito do consumidor”.

Padre Edvino está com CPF pendente

Padre Edvino pode ter o seu Cadastro de Pessoa Física (CPF) suspenso caso não acerte suas contas com o Leão até o fim de 2010. Segundo consta no portal do Ministério da Fazenda na Internet, ele não entregou a declaração de renda no ano passado, o que deixou seu CPF ‘pendente de regularização’. Com o documento suspenso, o contribuinte fica impedido de abrir conta bancária, pedir crediário, tirar passaporte, participar de concurso público e receber prêmio de loteria, entre outras restrições.
O DIA já mostrou que Edvino, morador da Lagoa, comprou apartamento de 400 m² no Flamengo por R$ 2,2 milhões. O imóvel, que seria usado por Dom Eusébio, deverá ser vendido pela Arquidiocese, atual proprietária.
Para seu gabinete, o então ecônomo comprou móveis de grife: dois sofás, com enchimento de penas de ganso, no valor de R$ 21,3 mil e R$ 17,2 mil, e duas cadeiras, por R$ 6,8 mil cada. Edvino também usava carro Jetta Sedan, cujo modelo novo sai por R$ 85 mil.

O DIA ONLINE

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