domingo, 19 de julho de 2009

Tráfico cria cartão de fidelidade para estimular vício entre jovens

Adolescente da Tijuca, em tratamento contra dependência, ganhava um sacolé de cocaína a cada 10

POR MARIA MAZZEI, RIO DE JANEIRO

Rio - Traficantes do Rio começaram a adotar estratégias semelhantes às do comércio varejista para estimular o consumo de drogas e levar jovens a colaborar para a distribuição de entorpecentes. O drama de um adolescente da Tijuca, de 16 anos, hoje em tratamento contra a dependência química, revelou que criminosos do Morro dos Macacos, em Vila Isabel, criaram um ‘cartão de fidelidade’ para dar brindes aos consumidores. A cada 10 papelotes de cocaína comprados, o usuário ganha um de ‘brinde’. Para as trouxinhas de maconha, basta adquirir cinco unidades e uma sai de graça. O mesmo mecanismo já estaria sendo adotado por outras favelas da facção ADA.

O cartão foi encontrado pelos pais do jovem, dentro do quarto, quando o rapaz já estava internado para tentar se livrar da dependência química. O pequeno pedaço de papel traz, de um lado, a inscrição ADA — facção que controla o Morro dos Macacos — e o sinal “+1”. No verso, traços indicam quanto ainda falta para o cliente ter direito à gratuidade.

“A relação é na confiança. Às vezes eu pegava vários baseados e sacolés sem pagar. Depois voltava lá com o dinheiro. Recebia meus bônus e pegava mais”, relatou o estudante F., para a psicóloga da clínica.

“O esquema é o seguinte: quem compra 10 de cocaína (papelotes) ganha um. De maconha, quem compra cinco leva um de graça”, revelou o jovem. F. passou a vender drogas na escola particular onde estudava. Conforme o volume da venda ia aumentando, ele conseguia mais crédito e mais maconha. Há um mês, F. teve uma overdose e foi encontrado desmaiado no quarto pelos pais. Desesperados e sem entender o porquê de o filho ter se envolvido com as drogas, eles decidiram interná-lo.

Mas o que não imaginavam era que, para sustentar o vício, o estudante passou também a traficar. A cada sessão com a equipe técnica da clínica, o jovem fazia novas revelações e contou como obtinha as drogas sem que os pais percebessem, já que ele não pegava dinheiro em casa. “No começo, só queria baseado, mas depois meu objetivo passou a ser a branca (cocaína) também. Até que, um dia, peguei uns papelotes de crédito para vender, mas acabei usando. Foi quando perdi o controle”, relatou ele.

Segundo o rapaz, o crack é a única droga que não entra na promoção, porque os traficantes consideram os usuários de crack descontrolados e sem condições de cumprir com o acordo. Dados de pesquisa do Centro de Recuperação para Dependência Química (Credeq) mostram que 15% dos adolescentes de 12 a 18 anos que cometeram alguma infração se envolveram com drogas.

Para dizer não às drogas

Com o objetivo de evitar casos como o de F., 91 PMs estão ensinando alunos de escolas públicas do Rio como dizer não às drogas. Os policiais são voluntários do Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), do governo federal, e visitam as salas de aula uma vez por semana. A maioria dos 30.876 adolescentes beneficiados pelo programa no primeiro semestre mora em áreas carentes. Em alguns relatos, o drama é ainda maior: os próprios pais ou os irmãos são usuários de drogas.

“Muitas vezes, por a pessoa não saber lidar com as dificuldades sociais, a droga vira uma fuga”, explicou a coordenadora do programa no Rio, capitã Shana. Na quarta-feira, 705 alunos de escolas públicas, todos moradores da Rocinha, se formaram pelo Proerd e receberam diplomas e medalhas.

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