domingo, 9 de agosto de 2009

Fotos registram últimos momentos de brasileiro morto na África

Imagens mostram que brasileiro conhecia técnicas contra o frio.
Corpo de jovem foi encontrado na quarta (5), no monte Mulanje.

Do G1, no Rio, com informações do Fantástico

Uma câmera fotográfica registrou os últimos dias do economista Gabriel Buchmann, de 28 anos, que morreu quando fazia trilha no monte Mulanje, no Maláui, na África. A máquina foi encontrada junto ao corpo na quarta-feira (5). As fotos, exibidas pelo Fantástico neste domingo (9), mostram que o brasileiro conhecia técnicas para enfrentar as baixas temperaturas.

“Olhando as fotos dele, as últimas fotos da câmera, dá para ver que ele foi atencioso com ele mesmo, levou roupa de frio. Ele estava de calça, tinha malha de lã, uma jaqueta, gorro, cachecol, luva, meia”, descreve Cristina Reis, namorada de Gabriel.
O Monte Mulanje, no interior do Maláui, país do sudoeste africano, era a penúltima parada de Gabriel em sua volta ao mundo. Ele queria conhecer de perto a vida das pessoas pobres. Uma espécie de coleta de informações e vivência para o doutorado em políticas públicas que começaria em setembro nos Estados Unidos. Em um ano, conheceu 26 países.

“Na última foto tirada no dia 19, às 13h30, com um pouco de gelinho sobre o capim, dá pra ver que estava muito frio. Foi a última foto. O que me consola é que me explicaram que a morte por hipotermia é uma morte sem dor. Pela posição que ele foi encontrado, com o braço assim, morreu dormindo e era um lugar muito bonito, muito pacífico, muito tranquilo”, diz a namorada de Gabriel.

No dia 16 de julho, uma quinta-feira, Gabriel Buchmann encontrou Lewis Mauzu, um guia local de 25 anos, que desde os 18 anos sobe e desce o Mulanje toda semana. Os dois acertaram preço, compraram comida e água e partiram. A ideia de Gabriel era seguir até o cume da montanha - a 3 mil metros de altitude - e voltar no mesmo dia. O guia achava difícil, mas concordou.

A Vila de Mulanje, ao pé da montanha, é um retrato da pobreza que Gabriel procurava. As casas não têm energia elétrica, nem saneamento. Nas feiras de rua, é comum ver espetos de rato à venda. Os moradores trabalham em plantações de chá ou como guias para turistas. O Maláui é um dos 20 países mais pobres do mundo: 64% dos habitantes são analfabetos.

Foto: Arquivo pessoal

O economista Gabriel Buchman registrou muitos momentos de sua viagem na África (Foto: Arquivo pessoal )

Primeira parada

Depois de uma hora de caminhada, por volta do meio-dia do dia 16, Gabriel fez a primeira parada, em uma cachoeira que forma uma piscina natural.

“Ele pulou na água e me deu a câmera. Pediu que eu tirasse quantas fotos eu conseguisse”, lembrou Lewis.

A trilha foi ficando mais íngreme. A paisagem cada vez mais exuberante. Um caminho fácil para um montanhista experiente como Gabriel, que já havia ido ao Everest e ao Kilimanjaro.

Equipe percorre caminho feito por Gabriel

Uma equipe do Fantástico refez o caminho percorrido por Gabriel no monte. Depois de 10 quilômetros e quase três horas de caminhada, os repórteres chegaram a 1,6 mil metros de altitude. Nesse local, por volta das 14h do dia 16, Gabriel tomou a decisão que foi determinante para tudo que aconteceria depois. Ele resolveu seguir a trilha sozinho.

Seriam mais sete horas até o pico. No meio do caminho, ele encontrou um grupo que descia. Foi aconselhado a não continuar porque estava escurecendo. Gabriel dormiu no Abrigo Chisepo, mil metros abaixo do pico.

Na sexta-feira, dia 17, o brasileiro saiu cedo, de bermuda e blusa de mangas curtas.

Foto: Reprodução/Internet

Parentes e amigos de Gabriel criaram um blog na internet para ajudar nas buscas (Foto: Reprodução/Internet)

Família recebe notícia no Brasil

No Brasil, a família de Gabriel ficou sabendo que ele estava desaparecido. Amigos e parentes do economista montaram um grupo para apoiar as buscas.

O tio e a namorada foram para Malauí. Uma equipe de resgate com experiência internacional, formada por seis canadenses e um argentino, comandou as buscas.

Sessenta pessoas vasculharam o Monte Mulanje durante mais de duas semanas.
O que se sabia era que, no pico, o tempo havia mudado.

“Ele chegou ao pico. Na descida foi quando coincidiu de entrar uma formação meteorológica com muita neblina densa, visibilidade em torno de dez metros no máximo. A situação se complica, e ele perde as referências da trilha”, conta o tio Lúcio Chaves.

“Não vá lá”

Os dias seguintes, foram os mais frios do ano na montanha. A cada dia, a angústia aumentava e as chances de encontrár Gabriel vivo diminuíam. Em Chichewa, a língua local, saptiwa, o nome do pico, significa "Não vá lá".

A partir do Pico Sapitwa, o economista, sem visibilidade, deve ter seguido para o pico oeste, na direção contrária à do abrigo de onde saiu. Depois, passou pelo pico sul. O corpo do economista foi encontrado no vale sudoeste,.

Tudo indica que ele passou ali mais de 36 horas com temperaturas próximas de zero. Só que não há corpo que resista. Teve hipotermia. Mas ele demonstrou saber o que estava fazendo. Demonstrou ter técnica, fez um ninho na hora que ele decidiu dormir.

Entre a população local, há uma crença de que o monte Mulanje é habitado por espíritos e que para encontrar alguém perdido, é preciso oferecer comida e preces às almas. No início da semana passada, os nativos realizaram cerimônias por Gabriel.

Perto de vilarejo

No sábado, dia 1 de agosto, dois homens estavam na montanha pegando folhas e madeira para construir casas, quando viram o corpo de Gabriel. Um deles conta que o corpo estava perto da trilha. Mais um pouco ele teria chegado no caminho para o vilarejo.

A equipe de resgate internacional explica que eles passaram perto do local onde Gabriel foi encontrado, mas não viram nada. “A grama era alta, tinha um metro e meio de altura, e ele estava encoberto pelo ninho que fez”, conta o canadense.

O outro camponês que achou o corpo disse que os espíritos quiseram devolver o brasileiro. Segundo a cultura local, alguém de Mulanje é que deveria encontrá-lo.

G1 > Edição Rio de Janeiro

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