quarta-feira, 4 de novembro de 2009

‘É licitação, mas já está ganha’, diz funcionário de empresa em escuta

Gravações da polícia foram autorizadas pela Justiça.
Em outro trecho, homem diz que endereço de empresa é fictício.

Daniella Clark Do G1, no Rio

 

Escutas telefônicas feitas pela Polícia Civil, com autorização da Justiça, mostram diálogos de empresários e funcionários de empresas que estariam envolvidos no esquema de fraudes em licitações que teria desviado até R$ 20 milhões dos cofres públicos.

Ouça trechos das escutas:

1) Empresa de fachada

2) Cotação de preços

3) Obra retardada e endereço fictício

Num dos diálogos, um diretor de uma empresa conversa com o interlocutor sobre a abertura de uma empresa de fachada. O empresário afirma que ainda não decidiu quem seriam os titulares e acrescenta: “Eu não tenho quem botar. O lance disso aí é me desvincular”. E, ao ouvir que, com a burocracia, a abertura da empresa levaria 30 dias, afirma: “Mas a dificuldade burocrática é vencida com a facilidade financeira”.

Em outra escuta telefônica, um funcionário cota preços com um fornecedor e diz a ele que ele pode colocar “mais ou menos o preço” que souber, mesmo sem ter o valor exato. O fornecedor, então, indaga se o levantamento de preços não seria para uma licitação e o representante da empresa responde: “É licitação, mas já ‘tá’ ganha, entendeu?”.

Em outra, representantes de duas empresas conversam e um deles afirma que conseguiu uma brecha para retardar uma obra numa universidade do Rio.

Outro diálogo flagrado pela escuta da polícia dá indícios de que a sede da firma seria de fachada. “Tem como mandar essa cobrança para outro endereço? Porque no nosso escritório é aqui, é somente endereço fictício, lá é casa, entendeu? Lá é casa de veraneio”, diz, rindo.

Em outro trecho, um empresário conta que “conversou com o pessoal da licitação” e que, como uma outra empresa teria enviado uma ‘carta de agradecimento’, sua firma ficaria com a obra, orçada em R$ 70 mil. O jogo de cartas marcadas também fica evidente quando um diretor de uma empresa liga para um concorrente e insinua que ele “ceda” uma determinada obra.

“Acho que a gente nessa altura do campeonato está precisando dessa obra. Mas eu até poderia ceder para você, mas tenho quase certeza que meu sócio não vai concordar”, diz o interlocutor. “Você teve prejuízo na outra obra, mas isso faz parte do jogo que a gente faz”.

Esquema envolveria 12 empresas

O esquema de fraudes em licitações do governo do estado envolveria 12 empresas, que teriam lucrado ilicitamente até R$ 20 milhões desde 2008. As informações são do delegado Flavio Porto, que acredita que o prejuízo aos cofres públicos, no entanto, seja ainda maior.
Segundo as investigações, essas empresas agiriam há pelo menos três anos e estariam agora de olho nas obras que serão necessárias para a Copa 2014 e das Olimpíadas de 2016.

O delegado, que coordena o Núcleo de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro, assinalou ainda que o alerta sobre a possibilidade de fraudes partiu do Núcleo de Licitação da Polícia Civil, que percebeu que as mesmas empresas se revezavam em diferentes licitações.

Investigações apontaram que as empresas se reuniam e decidiam previamente aquela que sairia vitoriosa na licitação. As demais então apresentavam propostas propositadamente irregulares ou com valores muito altos com o intenção de serem descartadas.

Para atuarem como coadjuvantes, as empresas recebiam de R$ 6 mil a R$ 15 mil. No mesmo esquema já ficava combinado qual empresa sairia vitoriosa na licitação seguinte.

O resultado da licitação era conhecimento com antecedência, de acordo com o delegado, porque a empresa vencedora apresentava um valor abaixo das demais, e era declarada vencedora.

30 mandados de busca

Foi apurada ainda a participação de pelo menos um funcionário público no esquema, que seria um técnico de planejamento da Polícia Civil.

Segundo a polícia, 12 pessoas devem ser indiciadas ainda esta semana por crimes contra a administração pública, além de corrupção ativa, formação de quadrilha e fraudes de licitações.

Dos 30 mandados de busca e apreensão, 27 já tinham sido cumpridos até as 14h30 desta quarta. A ação foi batizada de "Operação Monopólio".

Das 12 empresas investigadas, pelo menos cinco existiam juridicamente mas teriam sede fictícia. Desde 2008, quando começaram as investigações, elas teriam lucrado R$ 100 milhões em obras – sendo que, pela estimativa da polícia, o lucro ilícito corresponderia a 10% a 20% desse valor.

A polícia detectou o envolvimento das empresas em até 30 processos de licitação. Entre elas estava até a reforma de uma delegacia em Paracambi, na Baixada Fluminense. Há suspeita ainda de licitações de obras fraudadas na Região Serrana do Rio.

De acordo com o delegado Flavio Porto, as empresas que não faziam parte do esquema saíam prejudicadas caso vencessem uma licitação. Segundo denúncia feita à polícia por um empresário – que não foi identificado – as empresas que faziam parte do esquema da fraude buscavam corromper funcionários de órgãos de fiscalização para inviabilizar a atividade da empresa vencedora.

“Se você não fizesse parte do esquema, podia vencer a licitação. Gerava a quebra de empresários honestos. É uma violência muito grande para aqueles que queriam trabalhar honestamente”, disse o delegado.

Mais de cem homens de 28 delegacias, coordenados pelo Núcleo de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, participaram da operação na manhã desta quarta-feira. As empresas suspeitas, segundo a polícia, vinham sendo monitoradas através de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça.

G1 > Edição Rio de Janeiro

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