sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Tripulantes da polícia reclamam de falhas de segurança em helicópteros

Segundo eles, há problemas em cintos de segurança e roupas.
PM admite falha nas roupas e não comenta outras reclamações.

Alícia Uchôa Do G1, no Rio

Foto: Arquivo pessoal

Este é o cinto do tipo 'rabo de macaco' de um helicópteros da Polícia Civil (Foto: Arquivo pessoal)

Os helicópteros usados pela Polícia Militar do Rio de Janeiro não oferecem condições de segurança, de acordo com declarações de policiais ao G1. Segundo eles, entre os problemas, há cintos de segurança inadequados e faltam  roupas antichamas, além de tanques autovedantes, que evitariam determinados tipos de incêndios.

A situação dos helicópteros usados pela PM ficou em evidência depois que um deles caiu e se incendiou no último dia 17 após uma operação no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio, resultando na morte de três dos seis tripulantes.

Em nota, a própria PM admite que um dos equipamentos de segurança, os macacões de voo, "não foram aprovados por não atenderem as exigências técnicas do edital”. A PM não comentou os outros problemas de segurança relatados por tripulantes ao G1.

Na Polícia Civil, de acordo com policiais, a situação era semelhante à relatada na Polícia Militar, com uso de cintos de segurança improvisados, chamados de "rabos de macaco". Segundo os tripulantes da corporação, o material foi substituído após a queda do helicóptero da PM no Morro dos Macacos.

Questionada pelo G1, a Polícia Civil afirma que os equipamentos utilizados pela corporação sempre estiveram dentro do padrão exigido.

Policial morto teria tentado cortar cinto

“O cinto que usamos não é o mais indicado, porque este não há no mercado nacional. Usamos uma adaptação nacional feita na corporação. O Marcos Standler (um dos policiais mortos), inclusive, faleceu com um canivete na mão, tentando cortar o cinto para se soltar”, contou um policial militar, que preferiu não se identificar. Segundo ele, o relato de que Standler tentou cortar o cinto foi passado por um dos tripulantes.

"Ele não conseguiu abrir o equipamento", reiterou um outro PM. Em entrevista nesta sexta-feira (23), o piloto Marcelo Vaz de Souza não deu detalhes, mas afirmou que os soldados Marcos Standler e Ediney Canazaro não conseguiram sair do helicóptero.

Foto: Alícia Uchôa / G1

Este é o cinto de um helicóptero do modelo semelhante ao do abatido: os originais têm  três pontos e se soltam com o puxar de uma alavanca, o que não aconteceria com os da polícia  (Foto: Alícia Uchôa / G1)

Questionada sobre as condições em que o militar morreu, a PM não negou nem confirmou, apenas disse que "informações ou detalhes sobre o incidente com o helicóptero estão sendo apuradas".

'Rabos de macaco'

Na Polícia Civil, segundo policiais, até meados desta semana esses cintos, chamados de "rabo de macaco", eram utilizados.

"Eles eram improvisados com mosquetões (ganhos metálicos usados em escaladas) e cordas de rapel. Muitas vezes voávamos com apenas com dois ou três tripulantes com comunicador, os outros seguem sem nem conseguir ouvir o que se passa na operação, se comunicando apenas por sinais.

Os capacetes chegaram há cerca de um mês. Foi pedido depois que um colega morreu com um tiro na cabeça”, lembrou um policial civil, que também não quis se identificar.

Para o ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) Rodrigo Pimentel, o rabo de macaco não é o grande vilão da história. "Ele segura o policial na aeronave e é obrigatório pra quem opera com ela de porta aberta.

Na hora em que ela bate no chão, ele pode ter demorado para tirar, sim. Mas, sem o rabo de macaco, se o helicóptero cair, o policial pode cair da aeronave antes de ela chegar ao chão. Uma fita dessas é capaz de aguentar 600 kg e a mola mosquetão, de suportar até 2.000 kg", ponderou.

Roupas antichamas

No episódio do fim de semana, ainda de acordo com policiais, apenas piloto e copiloto estariam vestindo roupas antichamas, que só teria o uso liberado para oficiais. A corporação nega e alega que “o Grupamento Aéreo Marítimo (GAM) adquiriu recentemente uniformes especiais para todos os tripulantes, entretanto, os macacões de voo não foram aprovados por não atenderem as exigências técnicas do edital”.

Ainda segundo a PM, por causa disso, o fabricante foi "inquirido para que fizesse os ajustes necessários para o atendimento das necessidades do GAM". A nota diz ainda que "o macacão de voo não suportaria o período de exposição ao incêndio ocorrido com a aeronave do GAM".

Indisponivel/Indisponivel

Óculos protetivos: os de cima têm reforço no entorno da lente; os de baixo são os cedidos pela Polícia Civil (Foto: Arquivo Pessoal)

"Segundo os fabricantes, essa roupa (feita de um tecido chamado nomex) resiste até 10 segundos já pegando fogo. O suficiente para tirá-la ou apagá-la. Mas as blusas pretas que normalmente usamos em operações especiais colam na pele", explica um policial civil.

"A roupa adequada talvez não impedisse os policiais de serem queimados. Mas aquele que morreu com 90% do corpo queimado, será que não poderia ter tido só de 30% do corpo afetado", questiona outro policial, com 20 anos de carreira.

Óculos de proteção

De acordo com ele, outro item reclamado pelos policiais são os óculos de proteção: "Recebemos um de proteção contra impactos volantes, que não é o apropriado, suporta, no máximo, estilhaços de concreto. Alguns de nós usa um  balístico, que resiste a estilhaços de tiros, comprados com recursos próprios".

Tanques autovedantes

"Uma outra coisa que seria interessante seria um tanque audovedante, que não é o utilizado, e que se fecha depois que o tiro passa e não vaza combustível", sugere um policial militar. De acordo com especialistas, haveria ainda a hipótese de balas traçantes poderiam ter colocado fogo em outros pontos do helicóptero.

O reservatório, no entanto, não evitaria todos os tipos de incêndio na aeronave.

"A bala traçante deixa um rastro de fumaça incandescente e pode incendiar o tanque se ele tiver meio cheio, porque teria, internamente, vapor de combustível", explica o especialista em segurança de voo Douglas Machado.

'Jogam a gente para a morte', diz policial

Segundo esse mesmo policial, é senso comum entre policiais que, em operações em favelas, o helicóptero vira o principal alvo.

“Há bandos em que a regra é parar no meio do confronto e atirar no helicóptero. Com todos no mesmo objetivo, uma hora acerta. Tem favelas em que a gente recebe fogo de todos os lados. A gente vai para o olho do furacão e não tem apoio logístico. Eles jogam a gente para a morte”, resume.

Foto: Agência O Globo/Fabiano Rocha

Helicóptero atingido em chamas (Foto: Agência O Globo/Fabiano Rocha)

"Na polícia, tudo é feito com jeitinho, mas estamos falando das nossas vidas. Perdi um amigo, mas podia ter sido eu", diz, emocionado, um policial que conhecia os agentes mortos no episódio. "Se uma peça do helicóptero não tem sua manutenção depois de determinadas horas de voo, ele é proibido de sair do chão. O mesmo deveria valer para os equipamentos da tripulação", completou.

Salários de tripulação

Cabos e soldados da Polícia Militar do Rio têm salário base de, no máximo, R$ 1.424,00 e R$ 1.182,00, respectivamente. Os dois capitães – piloto e copiloto do helicóptero abatido – ganham o adicional, diferentemente de soldados, cabos e sargentos. A assessoria da PM informa que todo seu pessoal do serviço aéreo recebe treinamento e bonificação.

“As gratificações são apenas para pilotos e copilotos. Um copiloto recebe uns R$ 2.500 e a gratificação do piloto fica entre R$ 5 mil e R$ 7 mil. Isso varia de acordo com as horas de voo dele”, contesta um tripulante que integra o Grupamento Aéreo Marítimo (GAM) da Polícia Militar.

Segundo tripulantes da Polícia Civil, os valores salariais na corporação seguem o mesmo padrão. "Parece que só existe o piloto numa operação policial. Mas é uma equipe, todo mundo é necessário igual", reclama um dos policiais civis. "Nada é impossível pra polícia, desde que haja boa vontade e tática", completa o outro.

Burocracia x melhorias

Esta semana, o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, desabafou num encontro com líderes cariocas de vários setores, que a burocracia atrapalha a implantação de melhorias na polícia. É o caso das cerca de 40 cabines blindadas da PM, segundo a secretaria, estariam impedidas de serem instaladas desde que uma empresa que perdeu a licitação entrou na Justiça para questionar o processo licitatório.

Em outros casos citados tanto por Beltrame, quanto pelo chefe da Polícia Civil, Alan Turnowski, à imprensa esta semana, carros blindados israelenses, russos e sul-africanos esbarram na autorização do exército para poderem ser adquiridos.

O helicóptero blindado que teve a compra autorizada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, segundo a secretaria, ainda precisará passar por uma licitação internacional a pedido da Tribunal de Contas da União, para que se possa fazer o pedido e aguardar a entrega, o que pode levar um ano.

G1 > Edição Rio de Janeiro

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