domingo, 27 de janeiro de 2008

ONGs: desvio de milhões e endereços inexistentes

Esquema de fraudes baseado em Magé incluía entidade que em apenas quatro meses ganhou R$ 2,4 milhões da Prefeitura de Pádua

Adriana Cruz

Moradores de Magé fizeram dois dias de protesto em frente à prefeitura do município. Foto: André AzRio - O esquema montado com contratos irregulares com Organizações Não Governamentais (ONGs), principalmente nas prefeituras de Magé e Santo Antônio de Pádua, pode ter desviado mais de R$ 25 milhões. As informações fazem parte da Operação Uniforme Fantasma, deflagrada quinta-feira pelo Ministério Público (MP) e a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), que investigam rombo de R$ 100 milhões em seis prefeituras em licitações fraudulentas e contratos irregulares com ONGs. Entre elas, os principais alvos são a Associação Brasileira de Desenvolvimento Humano (ABDH), a Organização Nacional de Estudos e Projetos (Onep) e o Instituto de Assistência ao Município (IAM).

Um dos contratos que mais chamaram a atenção dos investigadores foi firmado entre a Onep e a Prefeitura de Santo Antônio de Pádua. Em quatro meses, de setembro a dezembro de 2005, a ONG recebeu R$ 2,4 milhões para prestar serviço de apoio, consultoria, assistência e auxílio. O chefe do esquema em Pádua e Magé era o secretário de Administração de Pádua, Tarcísio Padilha Aquino, preso quinta-feira. O MP descobriu que entre 2004 e 2005 ele movimentou cerca de R$ 1,5 milhão. Há ainda extratos bancários que apontam um depósito de R$ 500 mil de Tarcísio em favor de uma microempresa.

Em depoimento na Delegacia Fazendária sexta-feira, a secretária de Saúde de Santo Antônio de Pádua, Carla Souza Neves, que foi libertada, detalhou um dos pontos do esquema envolvendo a Onep na área de Saúde do município. De acordo com ela, foram pagos R$ 78 mil referentes ao aluguel, para um hospital da cidade, de um tomógrafo que não estava funcionando. O valor foi parcelado e depositado durante três meses na conta da Onep. Só deixou de ser pago porque a prefeitura descobriu que o equipamento estava inoperante.

As ONGs nem sequer funcionam nos endereços que constam no cadastro da Receita Federal no Rio e no Município de Saquarema. Segundo apuraram o MP e a polícia, as prefeituras contratavam as ONGs e depois o dinheiro era desviado para membros da quadrilha. Para cercar o esquema, os investigadores estão fazendo o cruzamento de dados recolhidos em computadores em 60 endereços em 17 municípios do estado.

Desde o início da Uniforme Fantasma, 21 acusados, entre secretários municipais, servidores e empresários, foram presos. Cinco foram libertados pela Justiça a pedido do Ministério Público e sete continuam foragidos, entre eles o ex-prefeito de Magé Charles Cozzolino.

A quadrilha, formada por quatro núcleos, montou esquema além do das ONGs, que envolve licitações de cartas marcadas para beneficiar empresas, compra fraudulenta de uniforme escolar e equipamentos hospitalares e fraude na folha de pagamento de Magé, com a inserção de funcionários fantasmas. A prefeita de Magé, Núbia Cozzolino, e o prefeito de Aperibé, Paulo Fernando Dias, o Foguetinho, ambos do PMDB, também viraram alvo da investigação. Em depoimento, um preso afirmou que eles costumavam receber de R$ 50 mil a R$ 150 mil em espécie.

A investigação começou em janeiro, com informações repassadas pelo Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) à Coordenadoria de Combate à Sonegação Fiscal (Coesf). Funcionários do Coaf perceberam que depósitos de até R$ 1 milhão eram feitos em nomes de microempresas e sacados pelos acusados. O grupo responderá por formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, peculato e crime contra a Lei de Licitações. As penas variam de 6 meses a 12 anos de prisão. As prefeituras envolvidas são as de Magé, Angra, Pádua, Japeri, Rio Bonito e Paraíba do Sul.

PACIENTE VIAJOU 30 KM COM BRAÇO QUEBRADO

As fraudes investigadas pelo Ministério Público na Prefeitura de Magé incluem esquema de superfaturamento no fornecimento de equipamentos de radiologia. O problema se torna mais grave quando se verifica que nenhuma unidade hospitalar de Emergência no município possui os aparelhos.

No Centro, um tapume colocado em frente ao antigo Hospital Municipal, demolido há três meses pela prefeita Núbia Cozzolino, esconde as obras paradas. A dona-de-casa Maria Auxiliadora da Silva, 60 anos, que é hipertensa, diz que é obrigada a recorrer aos postos municipais para buscar atendimento. “O problema é que os postos estão sempre lotados”, diz ela.

Já a dona-de-casa Sandra Pacheco, 45 anos, conta que é obrigada a viajar mais de uma hora para bucar atendimento em municípios vizinhos, como Niterói, Duque de Caxias e Teresópolis. Na semana passada, ela fraturou o braço esquerdo e teve de pegar um ônibus de Magé, onde mora, até o Hospital de Saracuruna, em Duque de Caxias, a 30 quilômetros de distância, para buscar socorro: “Chorei de dor na viagem. Não gosto nem de lembrar”.

Sexta-feira, o retrato do caos na Saúde se confirmava: o Hospital Municipal de Piabetá estava sem ortopedista, o que obrigava os pacientes a procurar socorro em hospitais de outros municípios, como fez Sandra. “É um absurdo o que fazem com a Saúde do município. Não poderiam fechar um hospital sem abrir outro”, reclama o estudante Álvaro Alencar de Oliveira, 26 anos.

Problemas para as eleições

Além de ter de se explicar à Justiça, os políticos envolvidos no esquema de fraudes em seis prefeituras do estado também deverão ter problemas com os eleitores no pleito municipal deste ano, segundo a avaliação de cientistas políticos. O problema maior deverá ser para a família Cozzolino, que comanda a política de Magé. De acordo com o MP, o esquema seria articulado a partir da prefeitura da cidade. “O estrago eleitoral foi grande, atingiu diretamente a prefeita Núbia e sua família. O povo aplaudindo na rua foi um estrago terrível. A oposição vai se aproveitar”, diz Geraldo Tadeu, do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS). “No mesmo ano da eleição fica difícil para a prefeita reverter”, explica Tadeu.

“Eleitoralmente deve repercutir”, concorda o professor Antônio Carlos Alkmin, da PUC. “Vai dar munição para a oposição, mas as comunidades carentes às vezes não tomam conhecimento desses fatos”, pondera. “A corrupção no Brasil parece que é um fosso profundo. A impressão é que ainda falta muita coisa para acontecer”, lamenta o professor.

2 comentários:

Unknown disse...

o MP tem que ir a fundo nas investigações para que os culpados sejam responsabilizados e os inocentes sejam devidamente isentado deste escândalo.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.