domingo, 27 de janeiro de 2008

Beltrame: 'Nós vamos mudar a PM'

Secretário de Segurança afirma que passeata de policiais é 'insubordinação'

Alfredo Junqueira e João Marcello Erthal

Foto: Fábio GonçalvesRio - Prestes a comandar a operação policial para garantir segurança à maior obra já feita em favelas do estado, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, planeja mudanças na estrutura das polícias Civil e Militar. “Para depois do Carnaval”, avisa, ressaltando que a PM — alvo de um diagnóstico — passará por mudanças mais profundas, inclusive de pessoal. Apesar de reconhecer o direito de reivindicar salários, Beltrame considera “insubordinação” a manifestação que os militares preparam para hoje, na orla da Zona Sul. E manda um recado duro. “Essa instituição está dando a resposta a ponto de merecer o retorno salarial? É confiável? Tem credibilidade?”, pergunta. Na manhã da última sexta-feira, o secretário falou com exclusividade a O DIA sobre seus planos para o PAC e para a segurança do Rio este ano.

—O que a ocupação do Complexo do Alemão para o PAC terá de diferente do que foi feito ano passado?
—Temos que recuperar o que fomenta a segurança pública. Pela primeira vez, o governo pretende fazer o caminho inverso: levar para esses lugares condições para que as pessoas possam melhorar sua qualidade de vida. A segurança está na ponta do iceberg desse processo. O povo vive num estado de miséria, vive com problema de atendimento de saúde, de falta de escola, de falta de urbanidade, falta de esgoto, enfim, de todas as condições. E lá no fim tem a segurança pública. Nós vamos fazer intervenções sim, mas não ocupação.

—Como isso será feito?
—Vamos fazer intervenções para que o estado venha com obras estruturais. Porque, senão, mais uma vez a polícia vai fazer a sua parte e vai sair. No nosso entendimento, a cada ação policial, a área ficaria livre para que o estado pudesse desenvolver as demais atividades de sua obrigação. Assim como se desenvolveu um trabalho de segurança, o estado tem que desenvolver também suas demais obrigações.

—Mas em termos específicos de ação policial, o que haverá de diferente?
—Vamos ter que colocar policiamento definitivo em determinadas áreas, como o Alemão. Vamos ter grupos de policiais estabelecidos ali 24 horas. E não mais esses DPOs, que são um método antigo, ultrapassado, que não nos serve de nada. Temos que dispor de unidades maiores, mais estruturadas, para que as pessoas trabalhem e, a partir disso, aquele local passe a ser um local urbanizado.

—Um batalhão dentro do Alemão?
—Não. Para você ter idéia, temos lá mais de 20 pontos onde a polícia vai ficar diuturnamente. Este, inclusive, é o motivo pelo qual estou pedindo os Urutus (veículos blindados do Exército).

—A expectativa de policiais é de que, no primeiro momento, haja muitas mortes, de que o confronto seja duro. Há como evitar baixas?
—Acho que não. Acho difícil. Como eu disse lá desde o ano passado, a solução não é boa. E nós já demos a devida ciência às autoridades. Essa operação tem o custo social, o político e o financeiro. E as autoridades estão devidamente informadas disso. Na Colômbia, sempre citada como exemplo, morreu muita gente. No processo colombiano, se vocês forem ver a fundo, morreu muita gente, mais do que vocês podem imaginar.

—Um aspecto que chama atenção no processo colombiano é a maneira como eles lidaram com a corrupção dentro dos quadros da polícia. Muitas vezes adotando até ritos sumários...
—Muitas vezes não. Esse é o ponto diferencial. Não foram “muitas vezes” apenas. O comandante pode, a partir de uma foto como a que foi publicada (dos policias roubando cerveja, revelada com exclusividade na terça-feira pelo ‘DIA Online’), demitir sumariamente as pessoas, sem processo de ampla defesa. Mas aqui nós temos esse preceito. Na Colômbia, o rito é efetivamente sumário. Uma pessoa lá pode ser afastada pelo simples fato de ter mau comportamento social. Aqui, não. Aqueles policiais que, no meu entendimento, devem ser demitidos, vão passar por um conselho. É dado a eles o direito da ampla defesa. Coisa que eu, particularmente, acho que não vai adiantar, porque não há explicações para uma cena horrorosa daquelas. Mas nós, nem eu e nem o comandante, podemos, de pronto, demiti-los.

—Isso engessa o Estado?
—Sem dúvida.

—A situação do Rio pediria medidas mais duras?
—Nós teríamos que, no mínimo, discutir um momento de alguma decisão nesse sentido.

—O senhor citou um caso muito danoso para a imagem da polícia, particularmente a PM. Que avaliação o senhor faz das policiais Civil e Militar?
— A Polícia Civil é uma instituição dois terços menor que a Polícia Militar. Conseqüentemente, ela é uma polícia muito mais ágil. Os processos que movimentam são menores e mais curtos. Ela responde de uma maneira mais rápida porque toda a parte burocrática da Civil é muito menor que da Militar.

— A PM precisa se modernizar?
—A PM carece de mudança. Urgente. E nós vamos mudar a PM. É uma proposta nossa para este ano. Ano passado, o diagnóstico já estava feito. Tivemos aquelas complicações no começo do ano que nos atrasou. Depois, tivemos o Pan-Americano, que também nos atrasou, mas o diagnóstico da PM nós temos. E a PM merece e terá mudanças na estrutura e na essência.

—O que dá para adiantar dessas mudanças?
— Pessoal, otimização do uso do efetivo. É inadmissível que nós não tenhamos os batalhões integrados. Isso é descabido no século 21. Isso demonstra a rigidez da musculatura administrativa da instituição. O fato de ela ter 200 anos não quer dizer nada, porque tudo muda. Tudo se moderniza e o que é novo, hoje, amanhã passa a ser velho.

—Vai ter muita troca de pessoal na PM?
— Vai ter, mas muita não. Nós vamos trocar. Depois do Carnaval nós vamos mexer. Não só na PM, mas nas instituições.

—Ontem (quinta-feira) houve uma reunião com 22 coronéis de batalhões e eles decidiram fazer uma manifestação no domingo (hoje). O senhor acha que isso é sinal de insubordinação na PM?
— Eu, particularmente, entendo como uma insubordinação, sim. Acho que a questão salarial é séria, tem que ser resolvida. E é uma das mais importantes porque envolve família. As polícias sabem que o secretário é a pessoa que está em primeiro lugar nessa luta. Mas a PM também é uma prestadora de serviço. E esses coronéis têm que fazer um exame de como a sua instituição está prestando serviço. Essa instituição está dando a resposta a ponto de merecer o retorno salarial? É confiável? Tem credibilidade? Uma passeata, eu acho, no mínimo, feio, desproporcional. Acho que não cabe a eles fazer isso. Mas vivemos num estado democrático de direito e as manifestações são possíveis, e há que se respeitar.

—Por que é tão difícil colocar mais policiais nas ruas? E como fazer para trazer definitivamente os policiais cedidos aos demais poderes?
—Nisso, há discrepâncias históricas. Elas nunca foram tão perseguidas como nós estamos procurando fazer. Essas instituições não têm como, de uma hora para outra, entregar esses homens. Isso é impossível. Historicamente, as PMs de todos os estados sempre fizeram isso. E sempre funcionou assim.

—E qual é a solução?
—A solução é que essas instituições tenham seus quadros próprios. Elas são autônomas e têm recursos próprios. Devem criar os seus quadros de segurança e façam seus concursos. A PM pode até fazer o curso de formação em suas escolas.

—Mas eles não pagam para ter esses policiais?
—Não há dinheiro que pague o valor de um policial numa esquina de uma cidade do Rio. A mim, não interessa qualquer tipo de convênio. Interessa é o policial na rua.

—Qual é o déficit do policiamento ostensivo hoje?
—Na minha concepção, 10 mil homens. Não diria que está faltando nos quadros. Estão faltando 10 mil homens na rua. Isso não significa que eu preciso fazer concurso para contratar 10 mil homens. Posso, através de gestão, fazer com que essas pessoas exerçam sua função precípua.

—Há possibilidade de outras áreas do estado ficarem desguarnecidas com o deslocamento de homens para as favelas do PAC?
— Nós entendemos que não, se tivermos o reforço que estamos pretendendo. Se para garantia das obras nós precisarmos tirar polícia do Interior, da Baixada, encerrar todos os cursos de formação e suspender férias, será feito. Agora, contamos com a Força Nacional para isso.

—O presidente Lula mencionou a possibilidade de uso das Forças Armadas. O senhor aceita esse reforço?
—Tenho deficiência de efetivo. Se vierem homens da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, da FNS, é isso o que nos interessa. Nós queremos efetivo. Mas o que temos de ter em mente é que essas tropas têm que estar a serviço da Secretaria de Segurança. Não adianta colocarmos o Exército, eles ficarem dois meses, irem embora e o Rio continuar com esse problema. O que temos que pensar é na implementação de todo esse projeto e no seu desenvolvimento. E isso não serão as Forças Armadas que vão fazer. Será o Rio de Janeiro.

—Qual o plano do estado para enfrentar as milícias?
—É muito grave essa questão. As milícias hoje vêm com essa égide de fazer a segurança das pessoas e, logo, logo, vão ocupar o lugar do tráfico. Isso será pior do que se pode imaginar. Desde o início, nos comprometemos em combater as milícias. Agora, se o estado não tiver condição de se colocar de maneira global nessas áreas, mais uma vez corremos o risco de essa luta ser muito difícil de se vencer.

—E como está sendo feito?
—Tenho que compor prova contra as milícias, como fizemos em Campo Grande. Essa foi a primeira missão dada ao delegado da Draco, Cláudio Ferraz. Fizemos um trabalho muito bem feito, tanto é que essas pessoas estão até hoje presas, com recursos negados em Brasília. Isso é um processo que tem começo, meio e fim. E vamos fazer outra operação contra milícia nesse mesmo padrão.

—O quanto o senhor acha que já conseguiu completar daquilo que foi planejado?
—Não vou mensurar. Acho que caminhamos, dentro de tudo o que quero fazer, cerca de 25%. É o que eu planejei para cada ano. Nossas pretensões para o primeiro ano foram atingidas.

—O senhor se sente seguro andando pela cidade?
—Qualquer metrópole mundial tem seus problemas. Aqui no Rio, nós temos áreas críticas, mas também áreas com índices de criminalidade europeus, onde a população se sente muito bem. Eu acho que nós melhoramos, mas ainda há muito que se fazer.





Fonte O Dia on line.

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