domingo, 27 de setembro de 2009

Progressão de pena permite que condenados voltem a cometer crimes

Oito em cada dez beneficiados são reincidentes, diz Ministério da Justiça.
Recentemente, criminosos perigosos fugiram ao terem regime semiaberto.

Do G1, com informações do Fantástico

Em todo o Brasil, criminosos considerados perigosos, condenados pela Justiça, conseguem sair da prisão por meio de um benefício garantido por lei, a progressão de pena. Muitos deles, quando passam ao regime semiaberto, acabam fugindo. Segundo informações do Ministério da Justiça, oito em cada dez beneficiados voltam a cometer crimes.

Em abril deste ano, no Rio, os traficantes Márcio José Sabino, conhecido como o Matemático, e Nei da Conceição Cruz, o Facão, ganharam o direito de trabalhar fora da prisão. Os dois fugiram ao receberem o benefício e, um mês depois, lideraram uma invasão no complexo da Maré. Oito pessoas morreram na batalha. Os criminosos não foram encontrados.

Alexander Mendes da Silva, conhecido como Polegar, também está na lista de foragidos da justiça. Nesta segunda faz duas semanas que o ex-chefe do tráfico do morro da Mangueira saiu da prisão para trabalhar e não voltou. Há dois anos, ele tentava passar para o regime semiaberto.

“Polegar saiu às 7h da manhã, tinha que voltar às 7h da noite. Em menos de 12 horas, ele desapareceu. O custo maior é a população que está pagando, que ela está deixando de contar com o serviço de policiais que podiam estar fazendo investigações sobre furtos, sobre roubo, estão agora com um grupo de policiais deslocados exclusivamente pra localizar o Polegar”, disse José Mariano Beltrame, secretário de segurança pública do estado do Rio.

“Segurança pública é polícia, é o Ministério Público, é o Tribunal de Justiça, é o sistema penitenciário, é o legislativo e o executivo que sancionam essas leis. Então, a polícia faz a primeira parte e prende.

E, se nesse sistema todo, um elo dessa cadeia se dissolve, o problema volta para a polícia novamente, assim como estamos vivendo o problema de hoje. E em outros estados da federação, isso é muito comum”, disse Beltrame.

Legislação

Desde 1984, todo condenado que cumprisse um sexto da pena podia pedir o relaxamento de prisão e cumprir o resto em regime aberto ou semiaberto. Em 1990 veio a lei dos crimes hediondos, segundo a qual os condenados por esses crimes teriam que cumprir toda a sentença em regime fechado.

Mas em 2006, o Supremo Tribunal Federal se manifestou dizendo que, pela Constituição, todo preso tem o direto à progressão de pena. A partir daí, os condenados por crimes hediondos passaram a ter os mesmos direitos dos outros presos, podendo pedir o relaxamento ao cumprir um sexto da pena.

Em 2007, a lei endureceu de novo. Hoje, quem é condenado por crimes hediondos, se for réu primário, tem que cumprir dois quintos da pena. E se voltar a cometer crime, não perde o direito, só tem que cumprir três quintos da pena.

“É uma conta de adição e de subtração que se faz, sem levar em consideração a individualidade e a personalidade de cada um”, explica Márcio Christino, promotor de justiça criminal em São Paulo.
“É importante que, além do cumprimento de determinado percentual de pena, que a lei autoriza, se investigue profundamente se aquele condenado apresenta condições de voltar às ruas imediatamente”, afirma o  procurador geral de Justiça do Rio Claudio Lopes.

Famílias arruinadas

Muitas famílias brasileiras sofreram as consequências desse sistema, que permite o retorno às ruas de condenados que acabam cometendo novos crimes.

Edson Alves Delfino, de 29 anos, condenado a 46 anos por estupro e assassinato de uma criança, passou aos regime semiaberto após cumprir nove anos de prisão. Ao sair, há cinco meses, ele cometeu o mesmo crime: violentou e matou o pequeno Kayto.

“Ele falou que se fosse solto ele faria de novo. E ele cumpriu o que ele falou. Ele foi solto, menos de seis meses, ele matou outra criança no caso o Kayto”, contou o pai de Kayto. “Se o juiz tivesse analisado essa ficha dele, hoje meu filho estaria vivo”, completou.

Em outro caso, Augusto César de Souza, condenado a oito anos por roubo, obteve liberdade condicional. Quatro meses após deixar a prisão, assassinou a jovem Karla, de 25 anos, durante um assalto.

“O juiz tem que fazer uma análise se vai ter condições de ir para a rua ou não. Muitos têm condições, mas muitos não têm, como ele não teve”, disse a mãe da Karla, que preferiu não se identificar por ter testemunhado o crime.

Agora, condenado a 28 anos de cadeia  pelo assalto seguido de morte, Augusto César de Souza poderá sair em nove anos. “Quantas famílias estão aí, arruinadas? Quantas?", diz a mãe da vítima.

Reincidência

“Eu tenho absoluta certeza de que se esses benefícios não tivessem sido concedidos, a articulação desse tipo de atentado seria impossível”, declarou o promotor Márcio.

“O que existe é um problema sério do funcionamento do sistema. A progressão não equivale necessariamente a uma liberdade. Se ela está equivalendo é que há um problema, enfim, de fiscalização e de implementação desse regime”, declarou Alessandra Teixeira, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

“Olha, superar eu acho que a gente nunca supera. Por quê? As pessoas chegam pra você: ‘ah, mas com o tempo você vai superar, vai esquecendo’. É mentira. A cada tempo que vai passando fica mais difícil, mais complicado. E parece que foi ontem”, disse o pai de Kayto.

G1 > Edição Rio de Janeiro

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