sábado, 7 de junho de 2008

Dos ensaios para a propina

Carta apreendida na casa de traficante indica que dinheiro da quadra da Mangueira iria para policiais

Leslie Leitão

Rio - Cartas apreendidas há duas semanas por agentes da 17ª DP (São Cristóvão) na casa de Leandro Monteiro dos Reis, o Pitbull, chefe do tráfico do Morro da Mangueira, indicam que bandidos pagavam propina a policiais com dinheiro obtido nos ensaios na quadra da escola de samba. As anotações revelam ainda detalhes como encomendas de armas para a ‘caixinha’ do Comando Vermelho (CV), que recebe doações mensais das quadrilhas de todas as favelas dominadas pela facção.
A descoberta foi feita no imóvel de Pitbull — uma suíte com espelho no teto, luzes vermelhas e champanhe no frigobar. Nas cartas, um chefão preso dita as ordens e faz cobranças em relação a atitudes adotadas pelo bando, que estariam contrariando a cúpula dentro da cadeia.
Um exemplo disso é a prestação de contas da ‘caixinha’ que o CV mantém para o financiamento de guerras. Até o ano passado, essas contas eram feitas na Favela Vila Cruzeiro, na Penha. Agora, estão a cargo de Pitbull.
“Recebemos a lista da CX (caixinha). (...) Geral gostou do trabalho, mas tem algumas coisas que ficamos em dúvida e vocês terão que fazer outra para ficar mais detalhada”, recomenda.
Os textos são assinados por um homem que se identifica como Z.L.. O que os investigadores querem agora é provar que essa sigla vem sendo usada pelo principal líder do Morro da Mangueira, Alexander Mendes da Silva, o Polegar, preso no Complexo de Gericinó.
Ano passado, O DIA mostrou a difícil convivência entre escola e tráfico na Mangueira. Gravações telefônicas mostravam o livre acesso de bandidos armados ao Palácio do Samba. Em janeiro, a 17ª DP desencadeou a operação que resultou na prisão de Francisco Paulo Testas Monteiro, o Tuchinha, ex-chefe da quadrilha.
PAGAMENTO MENSAL
Uma passagem secreta foi descoberta, ligando a boca-de-fumo do Buraco Quente a um camarote, onde comida e bebida eram liberadas. De lá para cá, pouco mudou. Na carta, Z.L. manda Pitbull, a quem chama de Red, pegar o lucro obtido nos ensaios para corromper policiais: “Os R$ 10 mil da quadra ‘vai’ ser para tentarmos desenrolar mensalmente o arrego (propina) dos ‘safado’”.
A correspondência prossegue abordando o dinheiro recolhido no estacionamento usado nas noites de ensaio, na antiga sede do IBGE. No texto, o chefão diz que abre mão dos lucros para dividir “em duas partes iguais”, entre duas associações de moradores da comunidade.
“Tudo isso mostra o terror que eles implantam lá dentro. Vamos continuar combatendo para prender o Pitbull, que é o líder deles”, afirma o chefe de investigações da 17ª DP, Marco Antônio Carvalho.
Para comprar 10 fuzis, R$ 400 mil
Uma das determinações é para que Pitbull adiante R$ 60 mil para um fornecedor de armas tratado como “compadre de total confiança”. E manda o chefão da Mangueira guardar dinheiro para a compra, à vista, de um pequeno arsenal: “Vê se deixa separado R$ 400 mil para comprar dez 7.62. Não compre munição enquanto não formar esses 400 mil”.
Em outra carta, o preso manda Pitbull “comprar logo uns 5 bicos (fuzis), 7.62 de preferência”. Em seguida, faz observações. “Rugger e metralhadora só se for sofisticada. (Escopeta) 12 não e pistola só 9 mm, 45, PT 40 ou 3.57. A PT 380 e 7.65 não compra”, avisa o bandido, pedindo fotos dos fuzis que chegarem à comunidade.
A recomendação para ter cuidado na compra de armas é frisada em um outro trecho: “Macacas, FMK, Valter, PistolUzi, Carbine outra ‘nós compra’ (...). Bagulho velho não”.
Na ‘caixinha’, despesas de advogados
Além de armas, drogas e propinas, a ‘caixinha’ do Comando Vermelho também serve para custear despesas de advogados da quadrilha. Os gastos são registrados no documento, no qual os homens que defendem os traficantes são identificados como “gravatas”. Nenhum nome, entretanto, é citado nas oito páginas apreendidas pela polícia.
Um bandido, provavelmente preso na Penitenciária Federal de Catanduvas (PR), é citado por um código que a 17ª DP tenta decifrar. Para que advogado fosse encontrá-lo, a quadrilha pagou sua viagem até o Paraná. “Os R$ 6 mil que ‘veio’ anotado passagem dos gravatas, foi para desenrolar com o amigo RG 00210 a parada do Xaruto (Tuchinha)”, diz.
O responsável por guardar o dinheiro da ‘caixinha, identificado como Coroa, aparece recebendo R$ 2 mil mensais. Na lista entra também a “Tia”, que leva as cartas aos presídios.

O DIA Online

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