segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Cães-guia custam caro e enfrentam resistência

Cães-guia custam caro e enfrentam resistência

Deficientes visuais e seus cachorros são barrados em diversos estabelecimentos.
Existem pouco mais de 50 cães-guia no Brasil, e o treinamento pode chegar a R$15 mil.
do G1, no Rio

Foto: Alice Assumpção / G1
Divulgação
Marcio e sua cadela Raissa. Eles foram impedidos de embarcar num ônibus. (Foto: Divulgação / George Thomaz Harrison)

Há um mês, a vida do portador de deficiência visual Antonio Marcio da Silva, de 19 anos, mudou. Graças à companhia de sua cadela, Raissa, ele ganhou independência e passou a circular sozinho por São Gonçalo, cidade onde mora, na Região Metropolitana do Rio.

O treinamento de Raissa levou dois anos e custou R$15 mil, dinheiro doado por empresas de artigos para cães, que patrocinaram o trabalho do treinador da cadela, George Thomaz Harrison.

Na última quinta-feira (13), no entanto, Marcio teve a liberdade recém-conquistada ameaçada. Ele foi impedido de entrar num ônibus acompanhado de seu cão-guia. O motorista afirmou que era proibida a presença de animais no interior do veículo e insinuou que Marcio estaria fingindo não enxergar. Foi preciso a presença de um policial militar para que o estudante pudesse seguir sua viagem até a ONG onde trabalha.

O episódio é um exemplo da cruzada que os deficientes visuais enfrentam diariamente para poder se locomover. Apesar de haver lei federal garantindo a permanência de cães-guia em lugares públicos, esses animais, populares em vários países do exterior, ainda são pouco conhecidos entre os brasileiros, que costumam não entender por que esses cachorros podem entrar em elevadores sociais e freqüentar sessões de teatro e cinema.

Caros e raros

O adestramento de cães-guia é uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos deficientes visuais. Segundo o adestrador George Thomaz Harrison, 31 anos, o treinamento de um cão de acompanhamento pode custar de R$2 mil a R$15 mil.

Foto: Alice Assumpção / G1
Divulgação
A advogada Thays Martinez entrou na Justiça para assegurar seu "direito de ir e vir" (Foto: Divulgação / Fernando Bagnola)

“As pessoas não sabem, mas o adestramento de cães-guia é muito diferente do convencional. Ele leva cerca de 2 anos e envolve muitos comandos específicos como, por exemplo, encontrar objetos do cotidiano, como cadeiras, portas e escadas. O trabalho que faço, no entanto, é sempre patrocinado, de modo que os portadores de deficiência não tenham de pagar nada”, explica ele. De acordo com George, existem cerca de dez adestradores no Brasil e apenas duas entidades especializadas.

A advogada deficiente visual Thays Martinez, 33 anos, é presidente do Íris (http://www.iris.com.br/), instituição sem fins lucrativos destinada a formar adestradores e treinar cachorros acompanhantes, de onde já saíram 18 cães-guia.

“O número é significativo, já que estimamos que haja pouco mais de 50 cães treinados em todo o país”, explica a advogada. “Para termos uma base de comparação, nos Estados Unidos, a escola Leader Dogs, que é apenas uma entre as dezenas existentes, forma cerca de 200 cães por ano”.

Barrada no metrô

Thays foi a primeira brasileira portadora de deficiência visual a ganhar um processo judicial por ter sido impedida de transitar com seu cão. “Em 2000, não me deixaram embarcar com meu cachorro, Boris, no metrô da capital paulista. Entrei com uma ação na Justiça e, depois de seis anos de tramitação, saiu o resultado do processo, em meu favor”, relata Thays. Atualmente a advogada defende dois clientes que passaram por situações semelhantes, também contra empresas do setor de transporte.

Novela ajudou
Reprodução
TV Globo
Personagem Jatobá, da novela América, sendo barrado ao tentar entrar em ônibus com seu cão. (Foto:TV Globo)

A funcionária pública aposentada, Ethel Rosenfeld, 62 anos, foi a primeira deficiente visual do Rio de Janeiro a adquirir um cão-guia e serviu de inspiração para a criação dos personagens Jatobá e Flor, vividos por Marcos Frota e Bruna Marquezine na novela América da TV Globo.


“A novela foi um marco, pois ajudou muito na conscientização da população a respeito das nossas necessidades. Depois dela, a situação melhorou bastante”, diz Ethel que, por ter sido pioneira no uso de cães acompanhantes, passou por muitos constrangimentos.


“Assim que passei a andar com Gem, em 97, não conseguia ir a lugar algum. Era barrada em restaurantes, ônibus e táxis. Uma vez não me deixaram entrar com o Gem no Teatro Municipal. Fui até impedida de levá-lo ao escritório em que trabalhava, na Secretaria municipal de Saúde. O pior episódio aconteceu quando não pude pernoitar em Brasília, por não achar hotel que nos aceitasse. Gem e eu voltamos para o Rio, os dois, com o rabinho entre as pernas. Nessa época, cheguei a entrar em depressão, pois, apesar de ter meu cão-guia, não saía de casa”, completa ela.


Apesar das dificuldades, Ethel conta suas histórias com bom humor e guarda vitórias importantes em sua jornada. Em 2006, a aposentada esteve no grupo de cerca dd dez deficientes visuais que ajudou no processo de regulamentação da lei federal 11.126, de 2005, que permite o acesso de cães-guia a todos os lugares públicos.

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