quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Justiça manda SUS coletar células-tronco

Material do cordão umbilical de bebê pode ajudar a curar menina com câncer
Pâmela Oliveira
Rio - A história parece de novela, mas os personagens são reais. Há um ano, a professora Verônica Guilarduci, 27 anos, descobriu que sua filha mais velha, Júlia, 8, estava com leucemia. Dois meses depois, a mulher soube que estava grávida. E o que na época foi motivo de preocupação, hoje é mais uma possibilidade de cura. O sangue do cordão umbilical da pequena Sara, que nasceu terça-feira, poderá ser usado para curar Júlia através da terapia com células-tronco.
A família conseguiu ainda um fato inédito: o governo foi obrigado a arcar com os custos da coleta e armazenagem do material em um banco privado. “Há um ano, recebi uma notícia de quase morte. Depois, soube que estava grávida e fiquei em desespero porque Júlia estava muito doente, não saía do hospital. Não engravidei propositalmente. Mas, hoje, minha alegria é em dobro porque ganhei mais uma filha e Júlia tem mais uma chance de ser curada”, contou a mãe, que mora em São José do Rio Preto, em São Paulo.
Verônica conta que Júlia está fazendo tratamento com quimioterapia e que, por enquanto, não se tem a certeza de que ela precisará do implante de células-tronco do cordão umbilical da irmã. Apesar disso, esperam ansiosos pelo resultado do exame de compatibilidade, que deverá ficar pronto em 15 dias. “Os médicos disseram que as chances são grandes. Júlia fica toda hora perguntando sobre a irmã, querendo vê-la”, conta a mãe. “Ela sabe de tudo, é muito esperta. Desde o início não escondemos nada.”
Avó das meninas, Sônia Maria Álvares Martins, 47 anos, conta que a família não tinha condições de arcar com R$ 5 mil, o valor da coleta e armazenagem do sangue do cordão.
MÉDICOS PODEM RECORRER A DOADORES ANÔNIMOS
As chances de compatibilidade entre a pequena Sara e Júlia são de 25%, segundo os médicos. Isaac, de 1 ano e 8 meses, outro irmão das meninas, não é compatível com Júlia, de acordo com a mãe das três crianças. “Dificilmente os pais são compatíveis porque os genes dos filhos são resultado da combinação de pai e mãe”, explica a hemoterapeuta do Hemorio, Naura Faria.
Caso não consiga a compatibilidade, e seja comprovada a necessidade do implante, os médicos devem buscar no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome), que reúne informações de voluntários de todo o Brasil, um doador compatível. Bancos internacionais também devem ser consultados.
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), a chance de um brasileiro localizar um doador em território nacional é 30 vezes maior que a de encontrar o mesmo doador no exterior. “É muito importante doar para um banco público. No Brasil, temos uma mistura muito grande e, por isso, é ainda mais difícil conseguir um doador internacional. No Brasil, as características genéticas são mais parecidas. Daí a importância de se doar para banco público”, afirma Naura.
Coordenador do Centro de Transplante de Medula Óssea do Inca, Luis Fernando Bouzas afirma que o instituto poderia ter armazenado o sangue do cordão umbilical de Sara. “Houve exagero. Estávamos acompanhando esse caso e nos disponilizamos a guardá-lo. Temos congelado o sangue do cordão umbilical de cerca de 200 bebês com irmãos com leucemia”, afirma.
PAÍS TEM QUASE 27 MIL EMBRIÕES PARA PESQUISA
O Brasil tem pelo menos 47.570 embriões congelados nas clínicas de fertilização in vitro, segundo o Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), criado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para estabelecer quantos embriões podem ser destinados a estudos científicos sobre células-tronco embrionárias. Do total, 26.887 podem ser doados à Ciência.
Podem ser utilizados os embriões inviáveis — com alterações genéticas ou morfológicas que tenham comprometido seu desenvolvimento — e os disponíveis — congelados até 28 de março de 2005, que já tenham completado três anos de congelamento. Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos doadores.
A estimativa da Anvisa, no entanto, é de que os números sejam maiores. Pode chegar a 110 mil a quantidade de embriões produzidos por fertilização in vitro. Segundo a agência, das cerca de 120 clínicas de reprodução humana do País, apenas 50 encaminharam as informações para o SisEmbrio.
É a primeira vez que o Brasil calcula a quantidade de embriões congelados. A iniciativa ocorreu depois que o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional o artigo 5º da Lei de Biossegurança, de março de 2005, e permitiu o uso, para fins de pesquisas e terapia, de células-tronco retiradas de embriões humanos produzidos por meio de fertilização in vitro e não utilizados. O dispositivo havia sido alvo de ação direta de inconstitucionalidade movida pela Procuradoria-Geral da República. Em 29 de maio, o STF aprovou a realização das pesquisas. As células-tronco embrionárias podem se converter em quase todos os tecidos do corpo.

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