sábado, 12 de dezembro de 2009

Dois médicos de hospital de Caxias são indiciados por lesão corporal

por Marcelo Gomes

Bebês com braços tortos

Elisângela de Holanda comemora a melhora do seu filho, Carlos Antônio. - Foto: Fábio Guimarães

Dois médicos obstetras do Hospital Moacyr Rodrigues do Carmo que participaram dos partos durante os quais três bebês ficaram com o braço esquerdo torto foram indiciados por lesão corporal culposa (sem intenção). A pena prevista para o crime é de dois meses a um ano de prisão.

Segundo o delegado Antônio Silvino, titular da 59ª DP (Centro de Caxias), foram indiciados os médicos Carlos Alberto Azeredo Areia e Maria Francisca Torraco Ciminelli. O hospital é administrado pela Prefeitura de Duque de Caxias.

Carlos Alberto fez o parto de Kesia Aparecida Brito, que deu à luz Lucas Gabriel no dia 29 de maio. Já Maria Francisca participou de dois partos. O primeiro foi de Elisângela de Holanda Gomes, que teve Carlos Antônio em 15 de junho. Quatro dias depois, a mesma médica conduziu o parto de Roberta da Silva Martins, que ganhou Julya Beatriz.

Em depoimento à polícia, os médicos disseram que agiram tecnicamente de maneira correta, e que a lesão nos braços dos bebês é uma fatalidade, mas é “normal” acontecer em partos normais com bebês grandes.

— Ora, se as ultrassonografias mostravam que as crianças não tinham problema no braço, a lesão só pode ter sido congênita, isto é, durante o nascimento. Para isso acontecer, houve no mínimo uma inobservância das normas técnicas por parte dos médicos. Como são os obstetras quem chefiam a equipe durante o parto, eles foram indiciados pela lesão corporal nos bebês — explicou o delegado.

O médico que fez o parto de Clemilda de Oliveira Ribeiro, que teve Miriam no dia 6 de maio, ainda não foi identificado. De acordo com o delegado, o hospital não forneceu os prontuários dos bebês, apesar das solicitações da polícia.

— O hospital não auxiliou em nada. Conseguimos identificar os outros obstetras e intimá-los a depor por meio das nossas investigações. Assim que identificarmos o obstetra que fez o parto de Clemilda, ele também será ouvido e possivelmente indiciado — disse Silvino.

Os inquéritos 889, 890 e 903, que já foram concluídos, foram encaminhados ao Ministério Público, que vai decidir se oferece denúncia à Justiça contra os médicos indiciados. A assessoria do MP informou que os promotores ainda não analisaram o conteúdo dos inquéritos.

Prefeitura se defende das acusações

Em relação às afirmações do delegado Antônio Silvino de que o hospital não forneceu os prontuários dos bebês, a Prefeitura de Caxias informou, em nota, que a Secretaria municipal de Saúde “não foi solicitada pela 59 DP a prestar qualquer tipo de informação sobre o caso.

Informações e documentos poderão ser fornecidos pela secretaria para os inquéritos policiais assim que a solicitação for feita por escrito pela 59 DP”.

Em nota enviada ao EXTRA no dia 3 de agosto, a prefeitura informou que seria aberto um inquérito administrativo para apurar os fatos em 30 dias. A mesma nota dizia que “apenas o filho de Clemilda de Oliveira Ribeiro apresentou uma distorcia de ombro. (...) Não há indicação de anormalidades nos exames feitos nos outros bebês após o parto”.

Perguntada pelo EXTRA na semana passada qual foi o resultado do inquérito administrativo, a prefeitura informou que os resultados das investigações “só serão apresentados em juízo”.

O EXTRA também pediu à prefeitura para falar com os médicos indiciados (ou com seus advogados), mas o órgão informou que os profissionais “só se pronunciarão sobre o inquérito na Justiça”.

Bebês aos poucos recuperam movimentos

Kesia Brito leva Lucas Gabriel para fazer tratamento no Hospital Pedro Ernesto. - Foto: Fabio Guimarães

O receio das mães de que as lesões nos braços de seus filhos pudessem ser permanentes aos poucos vai dando lugar a esperança. Os bebês vêm recebendo atendimento médico e estão recuperando parte dos movimentos.

Uma vez por mês, a dona de casa Kesia Brito, que mora numa casa humilde no bairro Parque Esperança, em Caxias, leva seu filho Lucas Gabriel ao Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio. O menino está sendo tratado por uma equipe de ortopedistas.

— Logo depois que nasceu, meu filho não conseguia sequer mexer o bracinho esquerdo. Hoje ele já consegue pelo menos levantar um pouco o braço. Os médicos dizem que talvez ele tenha que operar, porque a lesão atingiu o nervo. Mas se Deus quiser ele vai ficar bom — disse, esperançosa.

Kesia contou ainda que só recentemente conseguiu que um carro da Secretaria de Assistência Social de Caxias a leve com o bebê a Vila Isabel:

— Se eu tivesse que ir ao Rio toda semana para levá-lo ao hospital, não ia conseguir continuar com o tratamento porque não tenho como arcar com as passagens.
Já Carlos Antônio, filho da dona de casa Elisângela de Holanda, de 28 anos, está fazendo fisioterapia no Hospital Infantil de Caxias.

— Temos consulta às sextas-feiras. Os médicos me ensinam a fazer exercícios com ele em casa, para enrijecer os músculos. Carlos está bem melhor: o braço esquerdo já mexe bastante, mas ainda não é normal como o outro.

Cansada de esperar por uma ajuda do poder público, a professora Roberta da Silva Martins, de 23 anos, está levando sua filha Julya Beatriz numa clínica particular.

— Cheguei a levá-la ao Hospital Infantil, mas o médico nem tocou nela. Por isso decidi procurar tratamento por conta própria. Agora Julya já consegue movimentar o braço, mas só quando está deitada. Além disso, a mãozinha dela continua virada para trás. O que mais quero é que minha filha não tenha sequelas.

Procurada, a dona de casa Clemilda Ribeiro, de 42 anos, mãe de Miriam, não foi localizada.

Apesar de dois dos três bebês localizados pelo EXTRA estarem fazendo tratamento em outras unidades, a Prefeitura de Caxias informou que todas as crianças estão sendo atendidas em seu Hospital Infantil.

Sindicância do Cremerj ainda sem conclusão
A sindicância aberta pelo Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj) para apurar as denúncias das mães dos quatro bebês que teriam ficado com os braços deformados durante o parto no Hospital Moacyr Rodrigues do Carmo ainda não foi concluída. O Conselho não forneceu qualquer detalhe das investigações.

Em 4 de agosto, dias após a publicação da primeira reportagem do EXTRA sobre o caso, o Cremerj informou que estava instaurando a sindicância, mesmo sem ter sido procurado pelas mães dos bebês. O Cremerj não estipulou prazo para a conclusão do processo.
Caso sejam considerados culpados, os médicos podem ser advertidos, suspensos ou até ter seus registros cassados.

 Extra Online

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