domingo, 10 de fevereiro de 2008

Ubiratan Angelo: 'PM deve ser valorizado'

Ubiratan Angelo: 'PM deve ser valorizado' Ex-comandante exonerado admite que permitiu manifestações salariais da tropa, conta que vereador queria manter polícia longe de Rio das Pedras e revela que, depois de sua saída, não foi procurado pelo governador

Gustavo de Almeida e Vania Cunha

Rio - Quase duas semanas após ser exonerado, o ex-comandante-geral da Polícia Militar, coronel Ubiratan Angelo, abre a nova casa e os bastidores de seus 13 meses de gestão, numa entrevista exclusiva a O DIA. Na conversa, insiste que a passeata liderada pelo ex-corregedor Paulo Ricardo Paúl não teve relação com sua exoneração. E assume: permitiu duas grandes manifestações feitas por PMs ano passado, embora não tenha autorizado o protesto que teria resultado em sua queda. Longe da farda, à vontade, de chinelos e bermuda, Ubiratan confessa que, pelos ataques de dezembro de 2006, acabou administrando uma polícia para a guerra — mesmo sua formação sendo prioritariamente comunitária. Critica as delegacias de Polícia Civil que concentram flagrantes, lembra histórias curiosas e afirma que teve dificuldades para instalar um grupamento na Favela de Rio das Pedras, em Jacarepaguá, área dominada por milícias. Sobre a crise dos Barbonos — grupo de oficiais que defende melhoria salarial —, pondera: “Não sou um Barbono, eles se juntaram sem me chamar para nada”.

— Como o senhor recebeu a notícia da exoneração?

— Quando fui escolhido para comandante-geral, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, perguntou: “Estou convidando o senhor para ser o próximo comandante-geral, o senhor aceita?”. Na saída, muito desconcertado, ele disse: “Vou precisar do seu cargo”. Eu respondi: “O cargo é de quem nomeia, secretário. Um dia, entrei aqui coronel PM e saí comandante-geral. Hoje, entro aqui comandante-geral e saio coronel PM. Isto ninguém me tira”.

— Quais os motivos de sua demissão?

— Vou dizer o que eu acho que não tenha sido. Em primeiro lugar, a passeata (27 de janeiro) não tinha sido a primeira e nem a segunda. Depois, ninguém sabe disto, mas o secretário me passou cinco missões no dia seguinte. Se o secretário planejasse me exonerar por isso, não iria me passar cinco missões à tarde. A minha percepção do meu processo de exoneração é a de que vinha sendo construído há um bom tempo. Parecia que alguém ou alguma coisa queria que eu desistisse. Nem se o capitão Nascimento (do filme ‘Tropa de Elite’) me colocasse no saco, eu pediria para sair.

O senhor sempre disse que seu sonho era ser comandante-geral...?

— Exatamente. Desde o dia em que eu disse que queria ser comandante-geral, em 2003, começou o processo. Ficava sabendo de notícias de que não ia assumir, vi coisas acontecendo comigo. Eu não agradava a alguém, só não sabia o motivo. Durante a minha gestão, foi anunciada a minha queda diversas vezes. Dia 15 de janeiro, durante o aniversário de minha filha, fui surpreendido por uma série de comandantes de outros estados me perguntando por que eu havia pedido exoneração. Os parabéns da minha filha sendo cantados e eu dizendo que não pediria demissão. Espalharam estes boatos.

O senhor apoiava o movimento dos Barbonos?

— Nunca fui Barbono. Eles criaram o grupo e me deixaram de fora. Não me excluíram, o objetivo era que eu não participasse. Mas quase todos são contemporâneos de escola. Só que, na posse, disse que lutaria pela dignidade e pelo salário do policial militar. Como iria desautorizar passeatas com esse fim? As duas primeiras passeatas, em junho, realmente autorizei. Não autorizei esta última, mas também não desautorizei. Proibi terminantemente que entrassem na rua do governador.

— E por que não proibiu a manifestação?

— Foi opção minha. O soldado não pode se manifestar à frente do comandante. Eu não teria como falar com todos sobre isso. Já imaginou se consigo evitar que os coronéis comparecessem e deixo os oficiais mais baixos ficarem à frente? Imaginemos que fossem lá tenentes e sargentos sem saber que desautorizei. Quem deveria puni-los? O comandante-geral. Não achei que, naquele momento, fosse justo com eles. O policial precisa ser mais bem tratado, reconhecido.

Mas eles protestaram mesmo assim...?

— É. O policial está sempre garantindo a segurança de milhões de pessoas e não recebe nenhum elogio. O PM sai do serviço depois que acaba a ocorrência. Se tiver uma e a central de flagrantes for longe — tem algumas que ficam a 30, 40 quilômetros do batalhão —, tem que ir. Isso estava na nossa reivindicação: as concentradoras de flagrantes, que fazem com que eu perca capilaridade na rua. Isso existe para economia de recursos da Polícia Civil. E para a PM? É gasto do erário, tempo do policial na rua. — Em sua posse, o senhor falou em três bases: respeito ao PM, proteção do cidadão e potencialização da ética, hierarquia e disciplina.

Conseguiu cumprir?

— Não. Prometi lutar, isso eu cumpri. Prometo aquilo que posso fazer. Mas não por que alguém me impediu, os fatos que aconteceram me obrigaram a fazer outras opções táticas. Não tenha dúvida que o PM é um cidadão, deve ser valorizado.

— Antes mesmo da exoneração do ex-corregedor, a saída dele já era comentada. Por que o senhor o manteve no cargo?

— Eu queria, quando assumi, que o Paúl continuasse corregedor. Mas ele queria ir para a Diretoria de Ensino e Instrução (DEI). Cheguei a pensar para a Corregedoria no coronel Celso Araújo, que comandava o batalhão de Resende. No fim, disse a Paúl para ficar até o fim de 2007, que depois iria para a DEI. Para não cumprir minha palavra, tinha de acontecer algo imponderável. Sair do cargo não é imponderável, um dia iria acontecer. Tenho que me planejar para o que vai acontecer daqui a 10, 20 anos, mesmo sabendo que não estarei lá. A instituição é mais importante que quem está comandando.

Ao assumir, o senhor foi criticado por sua postura de policial cidadão. Essa não era a política para a segurança?

— Há uma diferença entre política, estratégia e tática. As pessoas dizem que a política de segurança pública é uma política de enfrentamento. Mentira, nunca foi. Se fosse, isso teria sido conversado antes de começar o governo. O que a gente mudou foi a tática, que interveio na nossa estratégia.

Mas o senhor assumiu em meio a uma onda de ataques criminosos...?

— Era um cenário diferente. Se houvesse política pré-estabelecida de enfrentamento, eu não seria escolhido comandante-geral. Alguns pretensos especialistas diziam: “Olha, ele é policial comunitário, vai correr frouxo”. Quando aconteceu aquela pancadaria, em 28 de dezembro de 2006, assumi na linha do enfrentamento, e não uma política do enfrentamento. Os episódios de 28 de dezembro provocaram mudanças nas ações, atraso na política de segurança.

Isso mudou os planos?

— No final da linha, não dava. Queria ter implantado novos Gpaes, mas precisava de pessoal na rua para combater os ataques. A implantação requer grande operação, ocupação. Não poderia colocar todo esse aparato. Infelizmente, vou morrer com a dívida dos Gpaes da Babilônia e Chapéu Mangueira.

Houve uma proposta para criar um Gpae em Rio das Pedras que não foi à frente?

— Vou voltar no tempo: antes de o Nadinho (Josinaldo Francisco da Cruz) ser vereador, era o presidente da associação de moradores. Eu era o comandante do Cpae e quis colocar um posto em Rio das Pedras. Quis colocar naquela época. A resposta oficial dele era: “A comunidade acha que não há motivo para um Gpae”. Conversei com membros da comunidade mesmo, mas não me convenceram. Quando assumi o comando-geral, conversei com o secretário e consegui.

— A população cobra ostensividade.É possível prevenir crimes com essa polícia mais cidadão?

— A sociedade mudou e o crime também. As armas pesadas chegaram e a faixa etária dos bandidos diminuiu, o que aumentou muito a violência. E a criminalidade acaba com uma grande operação e uma ocupação. O resultado dessa operação é que vai dizer como será o trabalho depois.

Então a estrutura da polícia não precisa ser somente ostensiva?

— A política não é de truculência. Acaba tendo ações assim para dar resposta. Essa é a diferença de política, estratégia e tática. Tem que entrar, impor a presença da polícia. Vai ser tiro, porrada e bomba? Não sei, vai depender da resposta. A ocupação é para que os criminosos não voltem.

Mas a PM passou dois meses na Vila Cruzeiro, na Penha. Na época, o senhor falava que estava impondo a presença para o Estado fazer sua parte, mas não foi isso que aconteceu...?

— A Vila Cruzeiro é um lugar extremamente violento. Os bandidos tinham tanta certeza de que mandavam ali que davam tiros na comunidade para dizer que foi a polícia. Se a gente sai, eles iriam bater naquele pessoal e os deixariam na lona. Tem gente lá de dentro que me disse: “Olha só, coronel, meu filho está há dois meses sem aula, mas não sai, não. Para chegar à escola, tinha que pedir licença aos traficantes. E hoje, vai pedir ao policial”. Se a criança vir fuzil na mão de um policial, está vendo na mão do poder público. O referencial dele tem que ser o Estado.


Ainda sobre a Vila Cruzeiro, por que foi decidida a ocupação?

— Eu estava num evento de comandantes-gerais em São Paulo quando soube da morte do policial do Bope. Me reuni com vários comandantes e, naquela reunião, foi decidido que a PM iria entrar na Vila Cruzeiro. Perguntei ao Pinheiro Neto, comandante do Bope: “O que é preciso para entrar lá?”. Ele respondeu que era tirar o blindado dele de lá. Tentei ajuda das Forças Armadas, mas quem foi lá tirar o blindado do Bope foram os bombeiros. Um guindaste, com o chefe do Estado-Maior dos bombeiros a bordo, foi lá dentro e tirou o blindado do Bope lá de dentro. Foram duas mortes próximas: a da dupla de policiais onde morreu o menino João Hélio e a do policial do Bope, vítima de um tiro de um daqueles bunkers. A gente tinha que destruir aquela casamata, que permitia ao bandido atirar de longe e protegido!

Sobre o episódio dos PMs que saquearam a carga de cerveja, o senhor considera a punição justa?

— Prendi os policiais na hora, mas ilegalidade é uma coisa, crime é outra. As fotos não são provas, são indícios. E não se pode prender ninguém por indícios. Tem o roubo do caminhão, a recuperação da carga e o registro da recuperação. Foi registrado o roubo? Sim. A carga recuperada? Parte dela sim. E registraram a recuperação?

— Os policiais não registraram a recuperação e a carga da viatura não foi encontrada?

— A RP (radiopatrulha) não foi à delegacia ou os próprios donos da carga não avisaram que foi recuperada? Só o dono pode dizer onde as caixas foram parar. Não ter sido devolvida não significa que foi subtraída. Não estou defendendo os PMs, estou dizendo apenas que não tinha elementos e provas suficientes para concluir o fato. Eu tinha que transformar em Inquérito Policial-Militar para pedir a prisão preventiva dos policiais.

O senhor falou com o governador Sérgio Cabral depois da exoneração?

— Até hoje ele não falou comigo. Houve um dia em que eu chorei de emoção por um ato dele. Cheguei com as propostas de promoções no Palácio Guanabara, tenso porque levava as promoções sozinho. Disse para ele: “Queria pedir ao senhor para antecipar o ato da promoção, mas a contar da data à frente, mas que a publicação saísse antes para facilitar os policiais”. E ele: “Não tenho nada a analisar. Está tudo administrativamente correto? Quem escolhe é a polícia, quero ver como cidadão comum, no Diário Oficial. Onde é que eu assino?”. Foi aí que eu chorei. Eu não esperava! Me pegou de surpresa, ele não viu a lista, o processo saiu de lá na minha mão.
Ele assinou sem olhar.

O senhor guarda alguma mágoa ou tem algum arrependimento?

— Não me arrependo e não guardo mágoa. O cargo pertence a quem nomeia.

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