sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Pitta exonera coronéis que lideraram protestos e ocupa cargos com oficiais da ‘linha-dura’



Cabral em sua primeira aparição pública com o coronel Gilson Pitta: governo nega crise e afasta coronéis rebeldes. Foto: Luiza Reis / DivulgaçãoRio - No primeiro dia à frente do comando-geral da Polícia Militar, o coronel Gilson Pitta Lopes pôs em prática seu discurso de posse, marcado pelo que considera os pilares da corporação: disciplina e hierarquia. Como primeira medida, Pitta exonerou 10 oficiais, oito deles coronéis Barbonos — grupo que liderava protestos contra baixos salários —, e começou a ocupar posições-chave na PM com coronéis considerados ‘linha-dura’. Dois exemplos da nova estratégia são os coronéis Paulo Lopes, comandante do 14º BPM (Bangu), e Álvaro Garcia, que assumiram funções.

Na primeira aparição pública ao lado do governador Sérgio Cabral e do novo comando da corporação, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, fez questão de negar que a segurança enfrente uma crise. “Todos queremos é ordem. É uma caminhada que não tem volta”, disse. Ele mandou ainda um recado à tropa: tenentes-coronéis novos vão assumir frentes de comando. “Vamos oxigenar a PM”, avisou.

Outra preocupação da cúpula da Segurança foi a de tranqüilizar a população em relação ao policiamento durante o Carnaval. “O Carnaval vai ser tranqüilo. Se você beber, não dirija”, brincou o novo chefe do Estado-Maior da PM, coronel Antônio Carlos Suarez David, em visita ao 4º Comando de Policiamento de Área (CPA), em Niterói.

FALTA DE POLICIAMENTO

A crise afetou o policiamento ontem na área do 6º BPM (Tijuca). Patrulhas que não estavam em condições de uso foram deixadas na garagem. O comandante, Roberto Alves de Lima, que pediu exoneração com outros 45 oficiais, afirmou que reuniu a tropa para pedir que o trabalho fosse executado. Porém, O DIA percorreu as ruas da Tijuca e só encontrou policiamento na Praça Saens Peña.

Embora ontem a PM continuasse dividida, o movimento encabeçado pelos Barbonos demonstrava ontem sinais de enfraquecimento. Oficiais da corporação desistiram de pedir a exoneração do secretário José Mariano Beltrame e concentraram o discurso no aumento salarial. O presidente da Associação dos Militares do Estado (AME), Dilson Anaide, foi ao Palácio Guanabara pedir encontro com Sérgio Cabral. Anaide enviou ainda carta à Secretaria de Segurança na qual informa que Beltrame é ‘persona não grata’.

PROTESTO

A reivindicação da tropa continua hoje. Das 5h ao meio-dia, 586 cruzes ficarão fincada na Praia de Copacabana para lembrar os militares mortos em serviço nos últimos quatro anos. Quepes serão colocados com a mensagem “Nossos heróis entregaram suas vidas por menos de R$ 30 por dia”.

Durante todo o dia de ontem, uma as maiores preocupações dos militares era com as trocas de comando. Pela manhã, Pitta visitou o 12º BPM (Niterói), onde foi mantido Ricardo Pacheco. Álvaro Garcia, do RPMont, vai para a chefia das Unidades Especiais. Foi nomeado o coronel Daltro Crespo Zuma para a Diretoria Geral de Pessoal — de onde saiu Francisco Vivas.

Foram exonerados os coronéis: Hildebrando Quintas Esteves (chefe de gabinete do comando-geral), Ronaldo Antônio Menezes (4º CPC), Leonardo Passos Moreira (ESPM), Dario Cony dos Santos (Uope), Rodolpho Lyrio Filho (APM), Renato Fialho Esteves (Degal), Francisco Carlos Vivas (DGP), Jorge Ferreira Fogaça (Finanças), Paulo Ricardo Paúl (Ensino); o tenente-coronel Joziel Havani dos Santos (18º BPM) e o major Wanderby Braga de Medeiros (4º CPA).

PMS PRESOS EM GREVE DE FOME

O protesto dos oficiais ganhou um apoio inusitado. Em ato contra as mudanças no comando da corporação e a qualidade da comida servida no Batalhão Especial Prisional (BEP), policiais presos na unidade iniciaram, na noite de quarta-feira, uma greve de fome.

Na manhã de ontem, eles fizeram um “panelaço” e exibiram pratos vazios e faixas exigindo melhores salários. Aos gritos, diziam que estavam com fome. Um plástico preto foi hasteado na janela e uma camisa, incendiada. A previsão é que a manifestação dure pelo menos cinco dias.

O protesto tem o apoio do comandante do BEP, coronel Fernando Príncipe, que foi um dos 45 oficiais que entregaram o cargo após a exoneração do coronel Ubiratan Angelo. “Conversei com três representantes de cada galeria e eles disseram que, por questão de honra, apóiam seus companheiros de corporação. Entendo a manifestação deles, porque estou fazendo a minha. Um soldado ganha menos de R$ 30 por dia. Não vou comandar uma tropa de miseráveis. O que se assiste, hoje, é uma tropa desmotivada, abandonada pelos órgãos competentes”, afirmou Príncipe.

CARTAZES E GRITOS

Em um dos cartazes, os PMs reclamavam da remuneração: “O pior salário do Brasil. Seja policial e ganhe R$ 800 para morrer”. Em uma outra faixa, criticaram o secretário José Mariano Beltrame e o governador Sérgio Cabral: “Estamos em greve. Fora Cabral, Fora Beltrame”. Na carceragem, os presos davam gritos de “estou com fome”, “comida podre”, “essa comida é horrível”, “minha família está passando fome” e “quero aumento”.

Um policial arrumou uma maneira inusitada de protestar e atirou para fora do presídio um prato de alumínio com arroz. À tarde, uma funcionária da empresa terceirizada responsável pela alimentação esteve no BEP para tomar conhecimento das queixas. “A carne servida é de má qualidade. Aqui, é chamada de carne de monstro”, relatou um PM.

Escolha com aval do Exército

A ligação de Gilson Pitta com o Exército foi determinante para que o oficial fosse escolhido pelo secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. Na PM, por exemplo, é praxe o responsável pelo Serviço Reservado ser aprovado pelo Comando Militar do Leste (CML). A trajetória de Pitta foi marcada principalmente pelo serviço prestado à chamada P-2.

Como O DIA noticiou com exclusividade quarta-feira, preocupado com os pedidos de exoneração dos oficiais da PM, o governo do estado fez contado com o CML para que tenentes-coronéis ficassem em alerta, caso fosse necessária a ajuda dos militares. Ontem, oficialmente, o CML negou. Para mostrar apoio institucional, o Sindicato da Polícia Civil divulgou ontem carta em apoio ao secretário de Segurança, José Mariano Beltrame.

No fim da noite, pelo menos 100 policiais continuavam reunidos na Associação dos Militares do Estado (AME), no Centro. Embora tenha ficado internado no Hospital da PM ontem, por ter sentido mal-estar, o coronel Paulo Ricardo Paúl foi à entidade e fez um discurso inflamado e cheio de ironias. O principal alvo do oficial era o antigo aliado, o novo comandante da PM.

Paúl acusou Pitta de traição. “Quem seriam os referidos inimigos?”, indagou. O coronel disse ainda que hoje vai ao Ministério Público “tomar providências cabíveis”, insinuando que pedirá proteção. “A responsabilidade pela minha vida e da minha família, a partir de agora, é responsabilidade do estado.”

Aulas começam no dia 7

Em meio à crise provocada por reivindicações salariais, PMs que ganham menos de R$ 1.400 por mês já podem se matricular em um dos 82 cursos oferecidos pelo Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). As inscrições estão abertas até o dia 3 e as aulas devem começar dia 7. Além de um certificado com comprovante do curso e do aprendizado, cada militar receberá bolsa-formação que varia de R$ 180 a R$ 400, segundo a patente.

O salário normal de um soldado da PM é de aproximadamente R$ 850. Com a bolsa, o aumento será de 64,7%. Já os cabos, que recebem cerca de R$ 1 mil, seriam beneficiados com 40% a mais. Assim como as inscrições, os cursos serão ministrados on-line. Para isso, serão inaugurados, de acordo com o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, 12 centros para telecursos. Os equipamentos já estão no Rio e serão instalados nos próprios batalhões.

O lançamento nacional do programa será no Rio, dia 7 de março, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Justiça, Tarso Genro, entregarão os cartões magnéticos — usados para sacar o dinheiro da bolsa — aos policiais.

Para se inscrever nos cursos, o interessado não pode estar respondendo a nenhum processo. No Rio, 20 mil PMs recebem menos que R$ 1.400. Até ontem dois mil estavam inscritos.

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