sábado, 5 de junho de 2010

Jogador amigo de Adriano foi ameaçado

Traficante proibiu volante Yves, que posou para fotos com o Imperador, de voltar para casa

POR LESLIE LEITÃO

Rio - As investigações sobre a quadrilha que controla o tráfico de drogas no Complexo da Penha mostram que outro jogador, também nascido e criado na comunidade e amigo de infância de Adriano, chegou a ser proibido de pisar na favela. O volante Yves, que atuou no Vasco e hoje defende o Paraná Clube, não teria comparecido a uma festa de fim de ano na favela e teria passado a sofrer ameaças de Fabiano Atanásio da Silva, o FB, chefe das bocas de fumo da Vila Cruzeiro. Apavorado, Yves teria decidido não ir para a casa onde vive sua família. Ontem, um advogado do Imperador admitiu que o jogador sacou dinheiro após pedido de traficante. O objetivo seria a compra de cestas básicas.

Adriano e Yves posam fazendo o símbolo do CV em Milão, em 2007 | Foto: Reprodução

A relação entre Adriano e Yves é antiga. Vizinhos de comunidade, eles cresceram juntos e cultivaram a amizade. Em 2007, o craque levou o amigo para a Itália, onde posaram para fotos polêmicas. Em uma, o atacante segura uma suposta arma de brinquedo e o meia exibe um abajur dourado em forma do fuzil AK-47. Em outra foto, que O DIA revelou segunda-feira, os dois jogadores mostram com as mãos as letras C e V, iniciais de Comando Vermelho, facção criminosa que domina o lugar onde nasceram.

O episódio que amedrontou Yves ocorreu em dezembro, curiosamente no mesmo período em que Adriano sentia-se pressionado por FB a entregar R$ 60 mil, que agora o craque afirma ser para a compra de cestas básicas para moradores. Na época, o volante — já morando em Curitiba, mas ainda sem clube — contou a um amigo que já tinha comunicado à família que não poderia mais pisar no Complexo da Penha, já que temia ser morto pelo chefão do tráfico.

A revolta de FB se deu por conta de uma das tradicionais peladas de fim de ano que jogadores profissionais costumam organizar em diversos pontos do País. Yves ainda tentou explicar a outros dois homens — um mototaxista conhecido como Erivelto e um bandido de apelido Na Capa, que seriam seus intermediários — que o jogo realizado no campo do Olaria Atlético Clube, na verdade, não era promovido por ele, que teria participado apenas como mais um convidado.

O fato é que Fabiano descobriu que vários policiais civis e militares teriam ido ao jogo no Olaria, o que o deixou revoltado. Outros quatro jovens da comunidade, também amigos de infância de Adriano e Yves, também acabaram ameaçados pelo líder da quadrilha. O meia, então, teria decidido não voltar à Penha com medo de ser assassinado.

Assim como Adriano, Yves também será intimado a depor em dois inquéritos da Polícia Civil: na investigação da 38ª DP (Brás de Pina) e em outra, aberta esta semana pela Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), baseada nas fotos em que eles aparecem fazendo o gesto de CV e em posição de atirador.

Procurado por O DIA, o empresário do jogador, Paulo Ricart, admitiu que a situação do atleta ficou delicada após a divulgação das imagens. Ricart espera que Yves receba uma intimação para prestar esclarecimentos. “É uma coisa bem pessoal, é algo que realmente aconteceu no passado, mas a gente espera para ver se as investigações apontam alguma coisa”, disse o procurador, ressaltando a origem humilde do volante. “Ele é uma pessoa do bem, tem a ligação com a favela, mas não existe envolvimento com criminalidade. A foto compromete a imagem do atleta. Tanto do Yves como do Adriano. Mas não existe ligação com o tráfico”, garantiu.

Em relação às ameaças que Yves teria recebido em dezembro do chefe do tráfico da Vila Cruzeiro, o procurador disse desconhecê-las, mas justificou uma possível retaliação por parte do criminoso. “Esse berço que ele tem na favela faz com que ele fique passível a esse tipo de conflito”, afirmou Ricart.

MEDO DE VOLTAR PARA CASA

Na conversa, Yves fala com um amigo sobre as ameaças feitas pelo chefão do tráfico da Vila Cruzeiro por causa de um jogo de futebol.

Homem: O que houve na comunidade contigo?

Yves: Parada louca, mano. Tava até falando com o Erivelto (mototaxista) sábado. Coisa boba, pelada que teve lá do João, entendeu?! O evento não foi nem meu... mas chamei os caras (outros jogadores), chamei. Dei uma moral pro moleque, pô. Pelada de final de ano é assim mesmo (...) coisa normal. Eu falei pra ele (FB) e ele não achou desse jeito. Achou que eu fiz evento no meio de polícia, no meio de um monte de gente. (...) Falou que se eu fosse lá ele ia me pegar. Maior estresse lá.

Homem: Que p...! Fiquei sabendo desse bagulho aqui hoje. P...! Até o amigo (Adriano) aqui ficou surpreso com essa p...!

Yves: Pois é. Por nada. Até a faixa que colocaram no campo lá, lá no campo do Ordem, falaram que ele (FB) mesmo subiu no alambrado, ele mesmo tirou. Aí falou que queria falar com o Alex, com o Thiago... que quem fosse lá pra ver as peladas ia se ver com ele. Maior estresse. Não entendi nada. E eu falei, falei pro Na Capa: ‘Pô, fala com ele aí, Mané?’ Pô, sou convidado. Sou convidado, tô aqui em Curitiba... Tu acha que se o negócio fosse meu eu iria fazer ali?”

Homem:  É f...

Yves: Falei com a minha prima lá, conversei com a minha avó. Pô, todo mundo tá vendo que eu não fiz nada de errado (...) Falou que vai me pegar, eu não volto.

Advogado admite pedido de criminoso

O advogado Raphael Mattos, que defende Adriano, admitiu ontem que o jogador fez doações pedidas pelo tráfico. “O FB mandou para ele um recado, para alguém avisar, se ele poderia ajudar na festa das crianças naquela comunidade da Vila Cruzeiro. Ele comprou cerca de R$ 30 mil em cestas básicas, alugou um caminhão para isso e fez uma distribuição de cesta básica no local”, afirmou, em entrevista ao ‘Jornal Nacional’.

O procurador-geral de Justiça, Cláudio Lopes, fez críticas duras à atitude do atacante. “Acho que qualquer pessoa deve se abster de se envolver com criminosos, com bandidos que podem exatamente estar usando uma festa, por exemplo, para aliciar pessoas para o tráfico. Então eu acho que, no mínimo, isso é uma conduta totalmente inconveniente. E pode até, eventualmente, configurar conduta criminosa”, afirmou.

Agora, a 38ª DP vai investigar onde foram compradas as cestas básicas. Advogados do craque disseram não saber se existe nota fiscal da compra. A polícia vai intimar a mãe do jogador, Rosilda, a quem teria sido entregue parte do dinheiro. Uma contradição que será apurada é sobre a data da doação.

O Imperador disse, em depoimento à polícia, ter dado as cestas para o Dia das Crianças, que acontece em 12 de outubro. O saque no banco, porém, teria ocorrido em 15 de dezembro.Para aprofundar a investigação da polícia, o Ministério Público solicitou à Justiça a quebra dos sigilos bancário e telefônico do Imperador.

SURPRESA NO MP

A decisão da Polícia Civil de não indiciar Adriano depois de ele ser ouvido na 38ª DP, quinta-feira, causou mal-estar e surpresa no Ministério Público. Na véspera, o craque já havia sido ouvido pelo promotor Alexandre Themístocles, que afirmou haver “fortes indícios” e “fatos gravíssimos” do envolvimento do jogador com traficantes.

“Há uma contradição em relação à polícia. Há dois dias foi pedida a quebra de sigilo bancário e telefônico. Como pode, dois dias depois, a polícia dizer que não há nada contra o jogador? Isso é estranho”, afirmou o procurador-geral de Justiça, Cláudio Lopes, que concluiu: “Na verdade, o indiciamento é mera formalidade. É possível que não haja elementos suficientes, mas nada?”.

À polícia, Adriano contou que mandou um amigo sacar R$ 50 mil, e não R$ 60 mil. Segundo o craque, R$ 30 mil seriam para a compra de cestas básicas e R$ 20 mil para despesas pessoais de sua mãe.

Colaboraram Adriana Cruz e Diogo Dantas

O DIA ONLINE - RIO

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