quinta-feira, 23 de junho de 2011

TCE encontra pagamentos indevidos em obras do Maracanã, tocadas por consórcio integrado pela Delta

Fábio Vasconcellos (fabiovas@oglobo.com.br) e Rafael Galdo (rafael.galdo@oglobo.com.br)

RIO - Uma inspeção do Tribunal de Contas do Estado (TCE) nas obras de reforma e ampliação do Maracanã - que são feitas pelo Consórcio Rio 2014, do qual a Delta Construções faz parte - mostra que o governo estadual pagou cerca R$ 8,7 milhões por projetos executivos que apresentam falhas, não foram aprovados ou sequer saíram do papel.

O documento, ao qual O GLOBO teve acesso, revela ainda outras irregularidades, como o desembolso de R$ 226 mil acima do previsto no edital de licitação para o trabalho de transporte das cadeiras do estádio.

O relatório, feito após a visita dos técnicos em março deste ano, sustenta ainda que o gasto com a modernização do estádio já poderia ter sido reduzido em R$ 27,5 milhões.

O Maracanã em obras: o estado pagou R$ 8,7 milhões por projetos que apresentam falhas e R$ 226 mil acima do previsto / Foto: Jorge William / O Globo

RIO - Uma inspeção do Tribunal de Contas do Estado (TCE) nas obras de reforma e ampliação do Maracanã - que são feitas pelo Consórcio Rio 2014, do qual a Delta Construções faz parte - mostra que o governo estadual pagou cerca R$ 8,7 milhões por projetos executivos que apresentam falhas, não foram aprovados ou sequer saíram do papel. O documento, ao qual O GLOBO teve acesso, revela ainda outras irregularidades, como o desembolso de R$ 226 mil acima do previsto no edital de licitação para o trabalho de transporte das cadeiras do estádio.

O relatório, feito após a visita dos técnicos em março deste ano, sustenta ainda que o gasto com a modernização do estádio já poderia ter sido reduzido em R$ 27,5 milhões.

O TCE argumenta que o governo poderia ter recorrido à lei federal 12.350, que instituiu, desde dezembro passado, isenções de PIS e Cofins para os projetos relacionados à Copa do Mundo. Para o tribunal, não é “razoável” que o consórcio e o governo não tenham encontrado uma forma de usufruir dos direitos previstos na lei.

O projeto do novo Maracanã está orçado em R$ 705 milhões, mas, segundo o governo, existem pedidos feitos pela Fifa que devem elevar o gasto final para R$ 931 milhões. Além da Delta, as empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez fazem parte do consórcio.

Com relação especificamente à análise de 301 plantas, o relatório do tribunal afirma que os “itens referentes a projetos executivos somente deveriam ser medidos após a materialização do produto elaborado”. No texto, técnicos afirmam que foram utilizados dados presumidos sobre as medições. Para o TCE, houve adoção de critérios distintos de medição dos projetos com relação ao que estava previsto no edital.

Segundo o documento do TCE, o Consórcio Rio 2014 utilizou uma carreta de menor porte para transportar mais de 83 mil cadeiras do Maracanã. Nos custos da obra, estava previsto o uso de carretas de 30 toneladas para esse serviço, mas as construtoras recorreram a um veículo com capacidade de 3,5 toneladas, o que acabou reduzindo suas despesas. Apesar da troca de veículos, as empresas receberam pelo valor mais alto. A diferença paga, de acordo com a inspeção, foi de R$ 226 mil.

Em resposta ao relatório, a Secretaria de Obras informou que técnicos analisaram parte dos projetos executivos. O órgão informou ainda que já foram entregues mais de duas mil plantas, todas de acordo com o projeto de reforma do estádio. O subsecretário-executivo da Secretaria de Obras, Hudson Braga, disse que o governo vai requerer terça-feira os benefícios da lei federal que reduz os impostos sobre as obras da Copa:

- A Fifa estabeleceu um prazo até 15 de junho para apresentar mudanças e acréscimos aos projetos. Esse prazo acabou e, com isso, podemos requerer os descontos dos projetos.

Além de receber por projetos executivos não realizados ou sem aprovação do próprio governo estadual, a Delta foi contratada pela União para fazer a pavimentação de uma mesma estrada três vezes, entre 2008 e 2011. Os contratos - dois deles sem licitação - foram para recuperar a BR-495, antiga Estrada União-Indústria, entre Itaipava e Teresópolis. Juntos, os contratos assinados com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) somaram mais de R$ 83 milhões. Parte dos reparos foi feita entre os Kms 24 e 33 da rodovia, constantemente interditada devido a quedas de barreiras.

A assinatura do primeiro contrato ocorreu após os temporais do carnaval de 2008. Com a justificativa de caráter emergencial das obras, foram destinados R$ 10 milhões, sem licitação, para retirada de barreiras, contenção de encostas e recuperação do asfalto entre os Kms 24 e 33,3.

No início de 2010, a construtora iniciou mais uma obra na rodovia. Desta vez, vencendo uma licitação para a restauração do pavimento (R$ 57,4 milhões), entre os Kms 0 e 33,5. Ou seja, incluindo os cerca de nove quilômetros que a empreiteira já havia recuperado.

Essas intervenções ainda estavam em andamento quando, em março deste ano, a Delta foi novamente contratada pelo Dnit, inicialmente por R$ 33 milhões, com dispensa de licitação. Mais uma vez, eram obras de limpeza das pistas e contenção de encostas, do Km 0 ao 33,4, após as chuvas de janeiro deste ano, que deixaram mais de 900 mortos na Região Serrana.

De acordo com Marcelo Cotrim, superintendente regional do Dnit, a construtora foi escolhida nas obras mais recentes porque já tinha maquinário próximo às áreas atingidas pelas chuvas. Ainda segundo Cotrim, o valor do contrato foi revisto e reduzido para R$ 16 milhões, após a retirada de obras em encostas que não ofereciam riscos. Já em relação às obras de restauração das pistas - as licitadas -, Cotrim afirmou que eram intervenções diferentes dos demais serviços para os quais a empreiteira foi contratada.

- Há 50 anos a BR-495 não sofria uma restauração profunda. É uma estrada que fica numa área de encosta e com o complicador de ter 70% de sua extensão revestida de concreto, e não de asfalto. E, no caso das obras deste ano, foram necessárias devido às chuvas - explicou Cotrim, que não quis falar sobre a contratação sem licitação da empresa em 2008, já que ele não estava à frente do Dnit.

A Delta, por sua vez, afirmou que “quem decide o tipo de obra, trechos e prazos” é o contratante.

Conforme O GLOBO mostrou em reportagem publicada na quarta-feira, a emergência tem sido uma aliada fiel da Delta Construções no estado. Uma das empreiteiras com mais contratos com o governo estadual, a empresa foi contemplada somente este ano, até este mês, com R$ 58,7 milhões para a realização de obras, sem que tivesse que participar de concorrências públicas. Isso representa 24,8% — praticamente um quarto — do total de R$ 241,8 milhões empenhados (recursos reservados para pagamento) só para a construtora no primeiro semestre de 2011.

A contratação da Delta sem licitação tem sido um recurso cada vez mais usado nos últimos anos do governo Sérgio Cabral. De 2007 até hoje, a construtora acumula contratos - com e sem concorrência - de R$ 1 bilhão com o estado.

Segundo um levantamento feito por líderes do PSDB na Alerj, o ano de 2011 é o que registrou o maior percentual de dispensa de licitação para a Delta, do empresário Fernando Cavendish — era para o aniversário dele, no Sul da Bahia, que Cabral se dirigia na sexta-feira, quando caiu um helicóptero matando sete pessoas.

No primeiro ano do governador, em 2007, foram empenhados nessa modalidade R$ 10,2 milhões, 15% do valor total de contratos. Em 2008 e 2009, o percentual caiu para cerca de 3%. Em 2010, ano eleitoral, voltou a subir para 23%: R$ 127,3 milhões.

INFOGRÁFICO : o voo que terminou em tragédia

A Delta obteve contratos sem licitação nos quatro anos do governo Rosinha Garotinho: 3% , que corresponderam a R$ 12,1 milhões. Em 1999, no início do governo Anthony Garotinho, a empreiteira surgiu pela primeira vez nas contas do estado, porém na gestão dele não há registros de pagamentos sem concorrência à Delta.

De janeiro a novembro do ano passado, fazendo-se um recorte específico nos dados da Secretaria estadual de Obras, constata-se que a construtora teve no período empenhos de R$ 128 milhões do órgão, sendo que R$ 74,9 milhões (58,9%) foram com dispensa de licitação. Entre os contratos emergenciais em 2010 estão, por exemplo, a reforma do prédio-sede do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), no Centro do Rio.

No Sistema Integrado de Administração Financeira do estado (Siafem) constam três empenhos com essa finalidade, com valores de R$ 2 milhões, R$ 1,5 milhão e R$ 3 milhões. Também há registros de uma série de obras viárias no município de São Gonçalo e de recuperação de encostas em Cachoeiras de Macacu.

Governo admite que aumento foi de 46%

Além da falta de concorrência, outras questões polêmicas, como o reajuste de valores de obras, envolvem a Delta. Recentemente, a reforma do Maracanã, inicialmente orçada em R$ 750 mil, foi reajustada para R$ 1 bilhão. A Delta alega que parte da cobertura original do estádio está seriamente danificada e precisa ser refeita.

A Delta tem ficado com uma grande fatia do bolo de recursos do estado. A empresa, que mereceu R$ 67,2 milhões em empenhos em 2007, ficou no ano passado com R$ 506 milhões, um salto de 655%. Na terça-feira, a assessoria do estado admitiu um crescimento de 46%, em comparação com o governo anterior.

Usando como parâmetro as despesas totais do governo entre 2007 e 2010 (R$ 115,5 bilhões, entre investimento e custeio), o estado defende que a participação da construtora no período foi de apenas 0,86%. Na gestão Rosinha, que teve despesas totais entre 2003 e 2006 de R$ 67,7 bilhões, foi de 0,59%. O governo alegou que esse aumento de gastos foi causado pelos crescentes investimentos do estado.

Na terça-feira, sem saber que o levantamento mostrava o contrário, o deputado André Correa (sem partido), líder do governo na Alerj, defendeu a Delta e os contratos com o estado:

- A Delta, ao longo de vários anos, tem serviços prestados ao estado, todos eles, sobretudo no governo Sérgio Cabral, feitos através de licitação pública.

Já a Delta, por meio de sua assessoria, sustenta que não chega a 10% o total de obras emergenciais, sendo praticamente todas relativas à tragédia da Região Serrana. A empresa também afirmou que “sua atuação não é pautada pelo relacionamento pessoal do empresário Fernando Cavendish com o governador Sérgio Cabral”. Segundo a empresa, as concorrências das quais participa estão dentro da legalidade.

Na Justiça, porém, a Delta já teve até suas contas bancárias bloqueadas por uma liminar, em maio deste ano, por causa de um contrato para obras de drenagem e pavimentação de ruas com a prefeitura de Nova Iguaçu, na gestão de Nelson Bornier, em 2001.

A empresa, junto com outras empreiteiras, se viu envolvida numa denúncia de desvio de cerca de R$ 100 milhões. Bornier, que também foi alvo do bloqueio, e a Delta conseguiram reverter a ordem judicial, mas o processo ainda corre na 6 Vara Cível de Nova Iguaçu.

Em 2004, quando veio à tona uma doação de campanha de R$ 17 mil da Delta para um aliado do ex-prefeito, Bornier ficou numa saia justa e foi a público dizer que se tratava de “uma coisa de amizade”. Atual deputado federal pelo PMDB, Bornier disse na terça-feira que não se lembrava da declaração feita na época.

Extra Online

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