sábado, 2 de julho de 2011

Morre o senador e ex-presidente Itamar Franco, aos 81 anos

RIO, SÃO PAULO, BELO HORIZONTE e BRASÍLIA

O senador e ex-presidente Itamar Franco (PPS-MG) morreu às 10h15m deste sábado, aos 81 anos, no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Ele estava internado desde o dia 21 de maio, com leucemia. Na última semana, seu estado de saúde piorou - com o diagnóstico de pneumonia grave - e ele foi transferido para a UTI.

Desde ontem, respirava por aparelhos e, na madrugada de hoje, sofreu um AVC e entrou em coma. As duas filhas do ex-presidente, Georgiana e Fabiana, estavam no hospital no momento da morte.

Itamar Franco Foto: Arquivo

Itamar: o único mineiro nascido em alto-mar. Foto: André Coelho

O corpo de Itamar será transferido na manhã de domingo para Juiz de Fora, para ser velado na Câmara Municipal. Seguirá depois para Belo Horizonte, onde haverá mais um velório, no Palácio da Liberdade, na segunda-feira. Por desejo do senador, o corpo será cremado em Contagem.

A presidente Dilma decretou luto oficial de sete dias. A presidente ofereceu o Palácio do Planalto para o velório, mas a família preferiu realizar a cerimônia fúnebre em Minas Gerais. O governador mineiro, Antonio Anastasia, também decretou luto oficial de sete dias.

No lugar de Itamar no Senado, deve assumir o suplente José Perrella de Oliveira Costa (PDT-MG), conhecido como Zezé Perrella. Ele foi deputado federal pelo PFL (1999-2003) e estadual pelo PDT (2006-2011). Em 2002, ele concorreu a uma vaga no Senado por Minas Gerais, mas não se elegeu.

Itamar assumiu a Presidência da República em 1992, após o impeachment de Fernando Collor, de quem era vice-presidente. O governo dele teve episódios marcantes: o Plano Real, a volta do Fusca e o plebiscito que reafirmou a escolha do presidencialismo no Brasil.

Itamar mostra as novas cédulas do Real. Foto: Arquivo O Globo

Ao pôr em prática o Plano Real, o governo derrotou a hiperinflação, que chegava a 1.100% em 1992. O pacote foi gestado por quase um ano por um grupo de economistas e executado pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso, indicado por Itamar para o Ministério da Fazenda. O plano garantiu a normalização da atividade econômica e permitiu, nos anos seguintes, melhor distribuição de renda e a retomada do desenvolvimento econômico do Brasil. Essa conquista foi, até o fim da vida de Itamar, seu maior orgulho.

Para relançar o Fusca, Itamar aprovou, em 1993, a lei do carro popular. Quando o modelo voltou a ser produzido no Brasil, o país recebeu pedidos de exportação de diversos países, mas não conseguiu dar conta das encomendas. A produção do carro foi encerrada três anos depois.

Em 1999, quando era governador de Minas Gerais recém-empossado, Itamar declarou a moratória da dívida do estado com o governo federal durante 90 dias. A notícia abalou a credibilidade da economia brasileira no exterior. E puxou para baixo o índice Bovespa, que levou consigo as bolsas do México e da Argentina.

Itamar Augusto Cautiero Franco talvez seja o único mineiro que tenha nascido em alto-mar. Foi em junho de 1930, quando sua mãe viajava em um navio do Rio de Janeiro para Salvador e, por isso, foi obrigada a registrar o filho na capital baiana. No ano seguinte, o "erro" seria corrigido com o registro da certidão de batismo, que traz Juiz de Fora como cidade natal.

Na cidade mais importante da Zona da Mata mineira, Itamar viveu a infância e a juventude ao lado da maior parte da família. Era órfão de pai, que morreu antes de ele nacer. Descendente de italianos, a mãe, Itália Cautieiro, sustentava a família vendendo marmitas. Ela morreu em 1992, 20 dias antes da posse oficial do filho caçula como presidente da República do Brasil.

Itamar gostava de jogar basquete mas, no fim da adolescência, escolheu seguir a profissão do pai e formou-se em Engenharia Civil e Eletrotécnica na Universidade Federal de Juiz de Fora. No entanto, a militância estudantil no Diretório Acadêmico falou mais alto e acabou o levando para a política. Aos 28 anos, candidatou-se a vereador pelo PTB e perdeu as eleições. O mesmo ocorreu quatro anos depois, quando tentou ser vice-prefeito.

Itamar assume a Presidência em cerimônia no Congresso. Foto: Gustavo Miranda

Por ser amigo do governador mineiro Magalhães Pinto, sobreviveu ao golpe de 1964 e não foi cassado, ao contrário da maioria dos colegas do PTB. A primeira vitória chegaria em pouco tempo. Filiado ao MDB, foi escolhido prefeito de Juiz de Fora em 1966 e reeleito em 1972.

Como administrador da cidade, dividiu a experiência de poder com personalidades que, anos depois, escolheria para ocupar cargos importantes no Planalto: o professor Murilo Hingel (futuro ministro da Educação), Mauro Durante (futuro secretário-geral), Djalma Moraes (Comunicações), Alexis Stepanenko (Planejamento) e Henrique Hargreaves (Casa Civil). No governo federal, formariam juntos o núcleo da que ficou conhecida como República de Juiz de Fora, ou República do Pão de Queijo.

No governo, Itamar não se isolava na hora de decidir. Cercava-se de colaboradores e mantinha o hábito de consultar pessoas simples, do garçom à faxineira. Já era assim em 1974, quando exercia o segundo mandato como prefeito e decidiu renunciar para concorrer ao Senado pelo mesmo MDB. A decisão final só veio depois de ouvir a opinião do seu motorista.

- A vontade dele sempre prevalecia no final, apesar de ser um bom ouvinte e não ter vergonha de voltar atrás - lembra Henrique Hargreaves.

As chances de vitória na disputa pelo Senado eram remotas. O candidato natural do MDB era Tancredo Neves, mas o mineiro temia perder para o candidato da Arena e, por isso, lançou Itamar ao sacrifício. Na apuração, a surpresa: Itamar foi eleito por Minas e repetiu a dose em 1982, com o partido renomeado como PMDB.

Em 1986, perdeu o controle da legenda em Minas e tentou o governo do estado pelo PL, mas foi derrotado por Newton Cardoso, justamente o candidato do PMDB. Voltou para o Senado e encerrou o mandato com a participação na Assembleia Constituinte de 1987 no currículo.

Desde a época em que era prefeito, Itamar gostava de dizer que se considerava um político de esquerda, embora pouquíssimas vezes tenha composto com os partidos mais tradicionais deste campo. Foi mais eficiente que os colegas na hora de reforçar a imagem de político marcado pela seriedade e pela austeridade. Surpreendeu muitos correligionários quando aceitou ser vice na chapa de Fernando Collor (PRB) à Presidência, em 1989.

O temperamento intempestivo do mineiro e de Collor não deu muito certo. Desde a campanha, os dois se desentendiam com frequência e o clima não melhorou após a vitória nas urnas. Itamar achava que era perseguição Collor escolher justamente a Usiminas na primeira etapa do processo de privatização, ao qual se opunha. Quando contrariado, tremia até o topete - mantido desde a juventude e sem adição de produtos de beleza, garantem os mais próximos.

Um ano e meio depois da eleição, escândalos de corrupção envolvendo pessoas ligadas ao presidente começaram a manchar o mandato e, meses antes do impeachment de Collor, Itamar percebia que a situação era insustentável. Naquela época, reunia auxiliares para diagnosticar os principais problemas do país e traçar o que poderia vir a ser o seu governo. Com o afastamento definitivo de Collor, assumiu o cargo apoiado por um amplo leque partidário, num esforço claro para manutenção da ordem democrática recém-conquistada.

- Pode orgulhar-se a nação capaz de dominar as suas mais graves crises políticas na ordem da lei. Sábio é o povo que, na conquista e preservação de sua própria liberdade, expressa veemência no clamor das ruas e na serenidade de seus atos - discursou Itamar na TV, como presidente.

Apesar da amplitude de apoio ao seu governo, o núcleo duro era mesmo formado pelos amigos do tempo de Juiz de Fora, somados a poucos parceiros da época do Senado, como Maurício Corrêa, que viria a ser ministro da Justiça. Não havia outro jeito: Itamar conhecia pouca gente no Rio ou em São Paulo e não tinha canais com o mundo acadêmico, empresarial ou sindical. Até mesmo no mundo político, sua base era considerada precária. Ainda assim, Itamar foi hábil o suficiente para garantir a estabilidade política do país depois do maior escândalo político da vida nacional.

O núcleo estava sempre por perto e o aconselhava, mas não foi capaz de evitar um episódio constrangedor. Com o argumento de que o último presidente a participar do carnaval teria sido Hermes da Fonseca, em 1913, Itamar decidiu assistir ao desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro 1994. Protagonizou uma cena inesquecível ao lado da modelo cearense Lilian Ramos, de 27 anos, no camarote. Sem calcinha, a jovem - com quem Itamar sambou, cochichou ao pé do ouvido e trocou telefones - fez a alegria dos fotógrafos que cobriam o evento. As fotos, que correram o mundo, serviram para encerrar abruptamente o romance do então presidente.

Extra Online

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