domingo, 15 de agosto de 2010

Com UPPs, Tijuca celebra a rotina sem violência

Pacificação de cinco comunidades devolve ao morador do bairro o gosto de sair de casa e poder circular por locais que antes eram evitados

POR VANIA CUNHA

Rio - ‘Isso aqui está uma tranquilidade, parece cidade do interior”. Há dois meses, a aposentada Severina Marques Barros, 87 anos, nem sonhava afirmar que a Tijuca poderia, sim, ser um bairro seguro para se viver. Subjugados pela violência imposta pelo tráfico durante décadas, moradores da região agora veem, com a implantação de cinco Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), a volta de uma normalidade há muito perdida.

Desde que foi morar na Tijuca há 13 anos, a aposentada testemunhou todo tipo de terror. Só em 2009, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), houve 41 assassinatos e 1.953 roubos a pedestres, mais de 162 por mês. Em outubro, a audácia dos bandidos chegou ao ápice, quando traficantes que invadiram o Morro dos Macacos, em Vila Isabel, derrubaram um helicóptero da PM, matando três policiais.

Morador do Maracanã, Vitor Pires levou o filho João Gabriel para ver chafariz da Saens Pena | Foto: Alexandre Vieira / Agência O Dia

A comunidade deve ser a próxima a receber uma UPP. Com a pacificação da maioria das favelas da região, dobrou o trabalho para o entregador de quentinhas Douglas da Silva Miranda, 19 anos. Desde maio, quando houve a primeira ocupação, do Morro do Borel, o número de pedidos aumenta. “Recebemos chamados até das favelas. Antes, não podíamos passar em trechos das ruas São Miguel, Conde de Bonfim e Medeiros Pássaro. Era muito perigoso. Agora, não tem mais rua proibida de passar”, conta.
Douglas, que viu as gorjetas crescerem, tem outro motivo para festejar: “Já reúno a família na minha casa, no Morro da Casa Branca, sem medo. Sentia muita falta da minha tia, que mora na Formiga, e nunca podia ir lá pela rivalidade do tráfico. A gente só se via no Natal, na casa da minha avó, em Niterói”.

O advogado J., 43 anos, morador da Tijuca desde que nasceu, lembra com emoção a primeira noite em que dormiu sem o barulho de tiros. “Sentia que faltava algo, mas não sabia o quê. Quando me dei conta de que os disparos tinham silenciado para sempre, chorei. Amo este bairro e sempre quis que ele fosse um lugar bom para criar os meus filhos. Hoje, saio de casa com a certeza de que uma bala não vai atravessar a janela e atingir minha família. Gostaria que as autoridades trabalhassem para que essa paz durasse os próximos 43 anos”, torce.

O delegado Luís Cláudio Cruz, da 19ª DP (Tijuca), ressalta que, antes das UPPs, a polícia havia desestruturado as quadrilhas da região: “Conseguimos 55 mandados de prisão e cumprimos 35. Com as ocupações, poderemos nos dedicar mais às investigações de outros crimes”.

Em vez de shopping, praça vira opção

A sensação de segurança que domina o bairro fez com que a dona de casa Lucile Silva Maciel, 30 anos, se ‘aventurasse’ a brincar com a pequena Marina, de 2, na Praça Saens Pena. A cena era inimaginável para ela, que todos os anos sai de Caxambu (MG) para passar férias com parentes na Tijuca. “Só ia ao shopping porque tinha medo de passear pela rua. Nunca trouxe minha filha para a praça. Mas vi as notícias e estou percebendo a mudança. As pessoas estão muito mais tranquilas”, avalia.

Outro que passou a frequentar a praça com o filho é o analista de telecomunicações Vitor Faria Pires, 30. Vendo a felicidade de João Gabriel com o chafariz da praça, o morador do Maracanã faz sua análise: “A UPP é uma solução para diminuir a violência. Quando a gente tem filho, fica mais consciente, mais preocupado com o tipo de sociedade em que ele vai crescer”.

Para o presidente da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), Pedro Carsalade, a procura de moradores de outros bairros por imóveis na Tijuca vai elevar os preços em até 40% e atrair novos empreendimentos.
“Apesar da infraestrutura excelente, o bairro sofria com a violência do tráfico. Houve um período em que os preços caíram 60%, e o que mais se via eram placas de venda ou aluguel. Mas a situação já se reverteu”.

Em vez do medo da violência, o bate-papo nos bares

A nova rotina dos tijucanos também pode ser apreciada à noite. Passava das 19h, quando equipe de O DIA chegou à Praça Afonso Pena, lotada em plena quarta-feira: adultos se exercitando, crianças brincando, idosos disputando torneios de damas e casais namorando. Nem o frio espantou grupos de amigos do bate-papo nas mesas dos bares. “Já deixamos de sair várias vezes por medo da violência. Antes, a opção para não sair do bairro era sempre a praça de alimentação do shopping”, lembra a professora Maria Emília Barros, 36 anos.

A jornalista Roberta Cavalcante, 33, confessa que esperava o dia amanhecer para voltar das festas. “Não me sentia segura de voltar para casa de madrugada. Meus amigos tinham medo de vir para cá, achavam perigoso. Agora querem frequentar os bares da Tijuca”, conta.

A estimativa da Associação Comercial do Rio segue a linha positiva. “A Tijuca tem o terceiro melhor comércio de rua do Rio. A consolidação das UPPs pode fazer com que a valorização do comércio aumente em torno de 50% até maio de 2011”, estima Daniel Plá, presidente do Conselho Empresarial de Varejo da associação. “Essa segurança é uma oportunidade para o retorno de estabelecimentos que migraram e aumento de outros. Certamente haverá crescimento porque os lojistas vão optar pelas lojas de rua, já que os custos delas são menores”, ressalta.

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